TECNOLOGIAS ASSISTIVAS E INOVAÇÃO PEDAGÓGICA: IMPACTOS NO APRENDIZADO DE ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)
- Fabiani Keiko Matsumoto
- há 25 minutos
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ASSISTIVE TECHNOLOGIES AND PEDAGOGICAL INNOVATION: IMPACTS ON THE LEARNING OF STUDENTS WITH AUTISM SPECTRUM DISORDER (ASD)
Informações Básicas
Revista Qualyacademics v.3, n.2
ISSN: 2965976-0
Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).
Recebido em: 19/12/2025
Aceito em: 19/12/2025
Revisado em: 20/12/2025
Processado em: 21/12/2025
Publicado em: 22/12/2025
Categoria do artigo: Estudo de Revisão
Como citar esse material:
MATSUMOTO, Fabiani Keiko; AGUIAR, Maria Neuma Gonçalves; RODRIGUES, Fabiana Martins. Tecnologias assistivas e inovação pedagógica: impactos no aprendizado de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.3, n.1, 2025; p. 869-894. ISSN 2965976-0 | D.O.I.:
Autores:
Fabiani Keiko Matsumoto
Mestranda em Educação Especial, graduada em Ciências Biológicas, Bacharel e Licenciada em Educação Física, Pós-graduada em Orientação Educacional, pós-graduada em Ecoturismo: interpretação e Educação Ambiental. - Contato: fabianikeikomatsumoto@yahoo.com.br
Maria Neuma Gonçalves Aguiar
Mestranda em Educação Especial, Licenciada em Matemática pela UEG, licenciatura em Pedagogia- Faculdade Alfa América e Licenciada em Artes Visuais UFG. Pós-graduação em: Estatística e Matemática- Universidade de Rio Verde, Psicopedagogia – Faculdade UniBF, e Neuropsicopedagogia – Faculdade Play. Contato: neumaguiar@gmail.com
Fabiana Martins Rodrigues
Mestranda em Educação Especial, Possui Licenciatura Plena em Geografia, Licenciatura em Pedagogia, pós-graduada em Orientação Educacional. Contato: fabiana_shego@hotmail.com
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RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar os impactos das tecnologias assistivas e da inovação pedagógica no processo de aprendizado de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em contextos educacionais inclusivos. A metodologia adotada consiste em uma revisão bibliográfica de caráter qualitativo, fundamentada em artigos científicos, teses e dissertações publicadas entre 2015 e 2025 em bases de dados acadêmicas brasileiras. Os resultados evidenciam que recursos tecnológicos como aplicativos móveis, sistemas de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA), softwares educacionais baseados no método TEACCH e dispositivos digitais têm contribuído significativamente para o desenvolvimento de habilidades comunicativas, cognitivas e sociais dos estudantes com TEA. Constata-se, ainda, que a efetividade dessas tecnologias está diretamente relacionada à formação continuada dos docentes e ao trabalho colaborativo entre escola, família e profissionais especializados. Conclui-se que as tecnologias assistivas representam ferramentas promissoras para a promoção da inclusão escolar, embora persistam desafios relacionados ao acesso, financiamento e capacitação profissional que necessitam de atenção por parte das políticas públicas educacionais.
Palavras-chave: Tecnologias Assistivas; Transtorno do Espectro Autista; Educação Inclusiva; Inovação Pedagógica; Comunicação Aumentativa e Alternativa.
ABSTRACT
This article aims to analyze the impacts of assistive technologies and pedagogical innovation on the learning process of students with Autism Spectrum Disorder (ASD) in inclusive educational contexts. The methodology adopted consists of a qualitative bibliographic review, based on scientific articles, theses and dissertations published between 2015 and 2025 in Brazilian academic databases. The results show that technological resources such as mobile applications, Augmentative and Alternative Communication (AAC) systems, educational software based on the TEACCH method and digital devices have significantly contributed to the development of communicative, cognitive and social skills of students with ASD. It is also noted that the effectiveness of these technologies is directly related to the continuing education of teachers and collaborative work between school, family and specialized professionals. It is concluded that assistive technologies represent promising tools for promoting school inclusion, although challenges related to access, funding and professional training persist and require attention from public educational policies.
Keywords: Assistive Technologies; Autism Spectrum Disorder; Inclusive Education; Pedagogical Innovation; Augmentative and Alternative Communication.
1. INTRODUÇÃO
A educação inclusiva constitui um dos pilares fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa, reconhecendo a diversidade como elemento enriquecedor do processo educacional. Nesse contexto, o atendimento aos estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) representa um dos grandes desafios contemporâneos enfrentados pelas instituições de ensino, demandando a implementação de estratégias pedagógicas diferenciadas e o uso de recursos tecnológicos especializados que possam favorecer o desenvolvimento integral desses educandos.
O TEA caracteriza-se como um transtorno do neurodesenvolvimento que afeta a comunicação social, a interação interpessoal e manifesta-se através de padrões comportamentais repetitivos e interesses restritos. De acordo com a American Psychiatric Association (2013), o TEA apresenta-se em diferentes níveis de intensidade, o que implica na necessidade de abordagens educacionais individualizadas que considerem as especificidades de cada estudante. A heterogeneidade das manifestações do transtorno exige que os profissionais da educação disponham de conhecimentos amplos e diversificados para atender adequadamente às demandas dessa população.
No cenário brasileiro, a inclusão educacional de pessoas com TEA ganhou respaldo legal significativo com a promulgação da Lei nº 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Essa legislação reconheceu o autismo como deficiência para todos os efeitos legais, assegurando aos estudantes com TEA o direito à educação em escolas regulares, com atendimento especializado quando necessário. A partir dessa conquista legal, houve um crescimento expressivo no número de matrículas de estudantes com TEA na educação básica brasileira.
Complementarmente, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, reforçou os direitos educacionais das pessoas com TEA, estabelecendo diretrizes para a promoção da acessibilidade e da inclusão em todos os níveis de ensino. Esse arcabouço legal impulsionou transformações nas práticas pedagógicas e estimulou o desenvolvimento de tecnologias assistivas voltadas ao atendimento das necessidades específicas dessa população.
As tecnologias assistivas, conforme definição do Comitê de Ajudas Técnicas da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, compreendem o conjunto de recursos e serviços que visam proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência, promovendo maior independência e inclusão social. No âmbito educacional, essas tecnologias abrangem desde recursos de baixa tecnologia, como pranchas de comunicação e pictogramas, até dispositivos de alta tecnologia, incluindo aplicativos educacionais, softwares especializados e sistemas de comunicação com saída de voz.
A relevância das tecnologias assistivas na educação de estudantes com TEA fundamenta-se no reconhecimento de que essas ferramentas podem compensar dificuldades específicas relacionadas ao transtorno, criando caminhos alternativos para o acesso ao conhecimento e a participação nas atividades escolares. Estudos indicam que muitos estudantes com TEA apresentam afinidade com dispositivos tecnológicos, demonstrando maior engajamento em atividades mediadas por recursos digitais do que em atividades exclusivamente baseadas em interações sociais diretas.
Diante desse panorama, o presente estudo justifica-se pela necessidade de sistematizar e analisar criticamente as contribuições das tecnologias assistivas para o aprendizado de estudantes com TEA, considerando os avanços científicos e as inovações pedagógicas desenvolvidas nos últimos anos. A relevância desta pesquisa reside na possibilidade de fornecer subsídios teóricos e práticos para educadores, gestores e formuladores de políticas públicas comprometidos com a qualidade da educação inclusiva no Brasil.
O objetivo geral deste artigo consiste em analisar os impactos das tecnologias assistivas e da inovação pedagógica no processo de aprendizado de alunos com TEA em contextos educacionais inclusivos. Como objetivos específicos, pretende-se: identificar as principais tecnologias assistivas utilizadas na educação de estudantes com TEA no contexto brasileiro; analisar as contribuições dessas tecnologias para o desenvolvimento de habilidades comunicativas, cognitivas e sociais; discutir os desafios e perspectivas relacionados à implementação dessas ferramentas no contexto escolar; e refletir sobre a importância da formação docente para o uso efetivo das tecnologias assistivas.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: CARACTERIZAÇÃO E IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS
O Transtorno do Espectro Autista constitui uma condição do neurodesenvolvimento cuja compreensão científica tem evoluído significativamente nas últimas décadas. As primeiras descrições sistemáticas do autismo foram realizadas por Leo Kanner em 1943 e Hans Asperger em 1944, que identificaram características como dificuldades nas relações interpessoais, alterações na linguagem e comportamentos repetitivos em crianças atendidas em suas práticas clínicas. Desde então, a concepção do autismo passou por diversas transformações, refletindo os avanços no conhecimento científico sobre o transtorno.
Atualmente, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), publicado pela American Psychiatric Association em 2013, caracteriza o TEA a partir de dois domínios principais: déficits persistentes na comunicação e interação social; e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Essa classificação reconhece o autismo como um espectro, compreendendo diferentes níveis de intensidade que variam desde quadros que requerem suporte até condições que necessitam de suporte muito substancial.
Os déficits na comunicação social manifestam-se de diversas formas, incluindo dificuldades na reciprocidade socioemocional, comprometimento nos comportamentos comunicativos não verbais utilizados para interação social e limitações no desenvolvimento, manutenção e compreensão de relacionamentos. Já os padrões comportamentais restritos e repetitivos podem incluir movimentos motores estereotipados, insistência na mesmice, interesses fixos e anormais em intensidade ou foco, e hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais.
Conforme destacam Gomes e Nunes (2014), as dificuldades comunicativas e sociais características do TEA impactam diretamente o processo de escolarização, exigindo adaptações curriculares, metodológicas e recursos especializados que favoreçam o acesso ao conhecimento e a participação efetiva nas atividades escolares. Os estudantes com TEA frequentemente apresentam estilos de aprendizagem diferenciados, com predominância do processamento visual sobre o auditivo, o que fundamenta a utilização de recursos visuais e tecnológicos no processo educacional.
No Brasil, dados do Censo Escolar demonstram um crescimento expressivo no número de matrículas de estudantes com TEA na educação básica nos últimos anos. Esse fenômeno reflete tanto os avanços no diagnóstico precoce quanto a consolidação das políticas de inclusão educacional. Todavia, conforme apontam Camargo et al. (2020), a presença desses estudantes em classes regulares demanda uma reestruturação das práticas pedagógicas e a formação adequada dos profissionais da educação para atender às necessidades específicas dessa população.
As características sensoriais do TEA também merecem atenção no planejamento educacional. Muitos estudantes apresentam hipersensibilidade ou hipossensibilidade a estímulos visuais, auditivos, táteis e proprioceptivos, o que pode interferir na concentração e no engajamento nas atividades escolares. Nesse sentido, a organização do ambiente físico e a utilização de recursos tecnológicos que permitam a regulação sensorial tornam-se elementos importantes para o sucesso educacional desses estudantes.
A heterogeneidade das manifestações do TEA implica na impossibilidade de generalizar estratégias pedagógicas para todos os estudantes com esse diagnóstico. Cada indivíduo apresenta um perfil único de habilidades e dificuldades, demandando avaliações individualizadas e planos de intervenção personalizados. Essa perspectiva alinha-se aos princípios do Desenho Universal para Aprendizagem, que propõe a oferta de múltiplos meios de engajamento, representação e expressão para atender à diversidade dos estudantes.
2.2. TECNOLOGIAS ASSISTIVAS NA EDUCAÇÃO: CONCEITOS E CLASSIFICAÇÕES
O conceito de Tecnologia Assistiva (TA) abrange um amplo espectro de recursos, estratégias e serviços destinados a ampliar as habilidades funcionais de pessoas com deficiência. Segundo Bersch (2017), a TA pode ser compreendida como todo recurso utilizado para proporcionar maior independência, qualidade de vida e inclusão social às pessoas com necessidades especiais, englobando desde adaptações simples até sistemas computacionais complexos. Essa definição ampla reflete a diversidade de soluções disponíveis para atender às diferentes necessidades dos usuários.
No âmbito educacional, as tecnologias assistivas assumem papel fundamental na promoção da acessibilidade pedagógica e na eliminação de barreiras que dificultam o acesso ao currículo escolar. Galvão Filho (2009), em sua tese de doutorado sobre tecnologia assistiva para uma escola inclusiva, destaca que esses recursos representam uma maneira concreta de neutralizar as barreiras causadas pela deficiência, inserindo o indivíduo em ambientes favoráveis à aprendizagem e ao desenvolvimento de suas potencialidades.
As tecnologias assistivas aplicadas à educação de estudantes com TEA podem ser categorizadas em recursos de baixa tecnologia e recursos de alta tecnologia. Os primeiros incluem materiais adaptados, pranchas de comunicação impressas, sistemas pictográficos em papel, organizadores visuais e cronogramas de atividades. Esses recursos caracterizam-se pela simplicidade de utilização e baixo custo, sendo acessíveis a contextos educacionais com recursos financeiros limitados.
Já os recursos de alta tecnologia compreendem dispositivos eletrônicos, computadores, tablets, smartphones e softwares especializados que oferecem maior interatividade e possibilidades de personalização. Esses recursos permitem a criação de ambientes de aprendizagem mais dinâmicos e engajadores, com feedback imediato e possibilidade de adaptação ao ritmo individual de cada estudante. A evolução tecnológica dos últimos anos tem ampliado significativamente as opções disponíveis nessa categoria.
Dentre as categorias de tecnologias assistivas relevantes para a educação de estudantes com TEA, destacam-se os recursos de Comunicação Aumentativa e Alternativa (CAA). Conforme explicam Nunes e Walter (2014), a CAA refere-se a toda forma de comunicação que complementa ou substitui a fala, incluindo gestos, expressões faciais, símbolos gráficos e dispositivos geradores de voz. Esses recursos são particularmente importantes para estudantes com TEA que apresentam comprometimentos na linguagem oral ou dificuldades significativas na comunicação.
A evolução dos dispositivos móveis e a proliferação de aplicativos educacionais têm ampliado significativamente as possibilidades de intervenção pedagógica com estudantes com TEA. Conforme apontam Carvalho et al. (2020), os aplicativos digitais oferecem vantagens como interatividade, feedback imediato, possibilidade de repetição e adaptação ao ritmo individual de aprendizagem, características que se alinham às necessidades educacionais dessa população e favorecem o engajamento nas atividades propostas.
Outro aspecto relevante das tecnologias assistivas refere-se à sua capacidade de oferecer previsibilidade e estrutura, elementos importantes para estudantes com TEA. Aplicativos que apresentam rotinas visuais, cronogramas e sistemas de organização podem contribuir para a redução da ansiedade e o aumento da autonomia desses estudantes em suas atividades diárias, tanto no contexto escolar quanto no ambiente familiar.
2.3. COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA E SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO POR FIGURAS
A Comunicação Aumentativa e Alternativa constitui uma área de conhecimento e prática clínica que visa desenvolver estratégias e recursos para pessoas com dificuldades de comunicação. No contexto do TEA, a CAA tem se mostrado uma abordagem eficaz para o desenvolvimento de habilidades comunicativas, possibilitando que estudantes não verbais ou com fala limitada possam expressar suas necessidades, desejos, pensamentos e sentimentos de maneira funcional e socialmente aceita.
O Picture Exchange Communication System (PECS), desenvolvido por Bondy e Frost em 1994, representa um dos sistemas de CAA mais utilizados mundialmente com pessoas com TEA. O PECS fundamenta-se na troca de figuras como forma de comunicação, ensinando os usuários a solicitar itens desejados através do intercâmbio de cartões pictográficos com interlocutores. O protocolo original compreende seis fases progressivas que conduzem o usuário desde trocas simples de uma figura até a construção de sentenças completas com atributos.
No Brasil, uma adaptação significativa do PECS foi desenvolvida por Walter (2000), denominada PECS-Adaptado ou PECS-Brasil. Conforme explicam Togashi e Walter (2016), essa versão brasileira fundamenta-se nos pressupostos do Currículo Funcional Natural e adota uma perspectiva sociointeracionista, enfatizando a interação comunicativa em contextos naturais. O PECS-Adaptado tem sido amplamente utilizado em pesquisas e intervenções educacionais no país, demonstrando resultados positivos no desenvolvimento da comunicação de crianças e adolescentes com TEA.
Uma característica distintiva do PECS-Adaptado em relação ao protocolo original refere-se à ênfase nas instigações verbais e na interação social como elementos centrais do processo de ensino. Enquanto o PECS tradicional prioriza a resposta independente desde as primeiras fases, a versão brasileira valoriza a mediação do interlocutor e o estabelecimento de relações comunicativas significativas, considerando aspectos culturais e linguísticos do contexto brasileiro.
Estudos conduzidos por Pereira et al. (2020), publicados na revista CoDAS, evidenciaram os impactos positivos da intervenção fonoaudiológica com CAA em crianças com TEA. Os resultados demonstraram ampliação da intenção comunicativa, aumento na frequência de atos comunicativos e maior engajamento nas interações sociais após a implementação de sistemas de comunicação por figuras. Esses achados corroboram a literatura internacional que aponta os benefícios da CAA para o desenvolvimento comunicativo dessa população.
A utilização de recursos tecnológicos na CAA tem expandido as possibilidades de comunicação para pessoas com TEA. Aplicativos como o Scala, desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e outros softwares de comunicação alternativa oferecem recursos como símbolos pictográficos, pranchas de comunicação digitais e sintetizadores de voz, ampliando as formas de expressão e interação disponíveis para os usuários. Esses recursos de alta tecnologia apresentam vantagens como portabilidade, variedade de vocabulário e possibilidade de personalização.
É importante destacar que a escolha do sistema de CAA mais adequado para cada estudante deve considerar suas características individuais, preferências, habilidades motoras e cognitivas, além do contexto em que será utilizado. A avaliação criteriosa das necessidades comunicativas e o envolvimento da família e dos profissionais que acompanham o estudante são fundamentais para o sucesso da implementação desses recursos.
2.4. MÉTODO TEACCH E ENSINO ESTRUTURADO
O Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children (TEACCH), traduzido como Tratamento e Educação para Crianças Autistas e com Déficits Relacionados à Comunicação, constitui um modelo de intervenção desenvolvido na década de 1970 pelo Dr. Eric Schopler, na Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos. Esse programa baseia-se na compreensão das características cognitivas e comportamentais do autismo para estruturar ambientes e atividades educacionais que favoreçam a aprendizagem e a autonomia dos indivíduos com TEA.
Conforme destacam Mesibov e Shea (1992), o TEACCH fundamenta-se no reconhecimento de uma cultura do autismo, compreendendo que pessoas com TEA apresentam formas diferenciadas de pensar, aprender e se relacionar com o mundo. Essa perspectiva orienta a organização de ambientes estruturados, com apoios visuais e rotinas previsíveis que facilitam a compreensão e a participação do estudante nas atividades educacionais, respeitando suas características e necessidades individuais.
Os princípios do ensino estruturado proposto pelo TEACCH incluem diversos elementos fundamentais para a organização do ambiente educacional. A estruturação física do espaço delimita claramente as áreas destinadas a cada tipo de atividade, reduzindo a distração e facilitando a compreensão das expectativas. A estruturação temporal através de rotinas visuais e cronogramas oferece previsibilidade e reduz a ansiedade relacionada a transições e mudanças.
Os sistemas de trabalho individual constituem outro componente importante do TEACCH, orientando a sequência de tarefas a serem realizadas e indicando o início, o desenvolvimento e o término de cada atividade. A organização visual das atividades torna explícitas as instruções e os objetivos esperados, utilizando recursos como códigos de cores, numeração, setas e outros elementos visuais que facilitam a compreensão independente pelo estudante.
No contexto brasileiro, o método TEACCH tem sido amplamente difundido e adaptado às características do sistema educacional nacional. Pesquisas realizadas por Corrêa e Souza (2019) demonstraram a aplicabilidade dos princípios do ensino estruturado em escolas públicas e unidades de atendimento especializado, evidenciando melhorias no engajamento, na autonomia e no desempenho acadêmico de estudantes com TEA submetidos a intervenções baseadas nesse modelo.
A integração dos princípios do TEACCH com recursos tecnológicos tem potencializado os resultados das intervenções educacionais. Aplicativos desenvolvidos com base nessa metodologia, como o ABC Autismo, oferecem atividades estruturadas que trabalham habilidades de pareamento, categorização e sequenciação, respeitando as características de aprendizagem dos estudantes com TEA e proporcionando feedback imediato que reforça os comportamentos adequados e motiva a continuidade das atividades.
É relevante destacar que o TEACCH não se constitui como um método rígido, mas como uma filosofia de trabalho que pode ser adaptada às necessidades individuais de cada estudante e às características de cada contexto educacional. A flexibilidade na aplicação dos princípios permite que profissionais da educação utilizem elementos do ensino estruturado de forma criativa, integrando-os com outras abordagens e recursos tecnológicos disponíveis.
2.5. POLÍTICAS PÚBLICAS E MARCOS LEGAIS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA PARA ESTUDANTES COM TEA
O marco legal da educação inclusiva para estudantes com TEA no Brasil fundamenta-se em um conjunto de legislações e políticas públicas que reconhecem o direito à educação de qualidade em escolas regulares. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu as bases para a inclusão educacional ao determinar a educação como direito de todos e dever do Estado, garantindo atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) consolidou a proposta de educação inclusiva ao estabelecer que a educação especial deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, com serviços de apoio especializado para atender às necessidades dos estudantes com deficiência. Essa legislação representou um avanço significativo na superação de modelos segregados de educação especial, embora sua implementação ainda enfrente desafios em muitos contextos.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, publicada em 2008, trouxe diretrizes importantes para a organização dos serviços educacionais especializados. O documento orientou a criação de Salas de Recursos Multifuncionais e a oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) no contraturno escolar, complementando a escolarização dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
A promulgação da Lei nº 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, representou um marco histórico na garantia de direitos para pessoas com TEA no Brasil. Essa legislação instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, reconhecendo o autismo como deficiência para todos os efeitos legais e assegurando direitos específicos relacionados à educação, saúde, assistência social e trabalho.
No âmbito educacional, a Lei Berenice Piana estabeleceu o direito à educação em escolas regulares, com acompanhante especializado quando necessário, e previu penalidades para gestores escolares que recusarem a matrícula de estudantes com TEA. Essa legislação resultou de intensa mobilização de famílias e organizações da sociedade civil, representando uma conquista importante para a comunidade autista brasileira.
A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, ampliou e consolidou os direitos educacionais das pessoas com TEA. O documento estabeleceu diretrizes para a promoção da acessibilidade em todos os níveis de ensino, vedou a cobrança de valores adicionais pela oferta de atendimento especializado e reafirmou o direito à educação inclusiva como sistema educacional em todos os níveis.
Mais recentemente, a Lei nº 13.977/2020, conhecida como Lei Romeo Mion, criou a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), facilitando a identificação e o acesso a serviços e direitos previstos em lei. Embora não seja especificamente uma legislação educacional, essa lei contribui para a visibilidade das pessoas com TEA e para a garantia de seus direitos em diferentes contextos, incluindo o escolar.
3. METODOLOGIA
O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa, fundamentada na análise de artigos científicos, teses e dissertações publicadas em periódicos e repositórios acadêmicos brasileiros. Conforme Gil (2008), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos, permitindo ao pesquisador uma cobertura mais ampla do fenômeno investigado do que seria possível através de pesquisas diretas.
A escolha pela abordagem qualitativa justifica-se pela natureza do objeto de estudo, que demanda uma compreensão aprofundada das contribuições das tecnologias assistivas para a educação de estudantes com TEA, considerando as múltiplas dimensões envolvidas nesse processo. Conforme Minayo (2014), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo dos significados, das motivações, das aspirações, das crenças e dos valores, permitindo uma análise mais abrangente dos fenômenos educacionais.
Para a seleção dos estudos, foram consultadas as seguintes bases de dados: Scientific Electronic Library Online (SciELO), Portal de Periódicos da CAPES, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e Portal de Periódicos da UFSM. A escolha dessas bases justifica-se pela sua relevância no cenário acadêmico brasileiro e pela abrangência das publicações disponibilizadas.
Os descritores utilizados na busca incluíram termos em português: tecnologias assistivas, Transtorno do Espectro Autista, educação inclusiva, comunicação alternativa e aumentativa, TEACCH, aplicativos educacionais, autismo e inclusão escolar. Foram utilizados operadores booleanos para refinar as buscas e identificar estudos que abordassem especificamente a temática investigada.
Os critérios de inclusão adotados para a seleção dos estudos foram: publicações em língua portuguesa datadas entre 2015 e 2025; estudos que abordassem especificamente o uso de tecnologias assistivas na educação de estudantes com TEA; pesquisas realizadas no contexto brasileiro; e artigos disponíveis na íntegra para acesso. Esses critérios visaram garantir a atualidade e a relevância dos estudos para o contexto nacional.
Foram excluídos estudos duplicados nas diferentes bases consultadas, resumos de congressos sem texto completo disponível, publicações em outros idiomas que não o português e estudos que não apresentassem relação direta com o tema investigado. A aplicação desses critérios resultou na seleção de um conjunto de estudos representativos da produção científica brasileira sobre o tema.
A análise dos dados seguiu os pressupostos da análise de conteúdo proposta por Bardin (2011), organizando-se em três etapas: pré-análise, com a leitura flutuante dos materiais selecionados e organização do corpus de análise; exploração do material, com a categorização dos dados conforme os objetivos da pesquisa; e tratamento dos resultados, com a interpretação e discussão dos achados à luz do referencial teórico adotado.
Os estudos selecionados foram organizados em categorias temáticas que emergiram da análise, contemplando: recursos de Comunicação Aumentativa e Alternativa; aplicativos e softwares educacionais; intervenções baseadas no método TEACCH; formação de professores para o uso de tecnologias assistivas; e desafios e perspectivas para a implementação dessas tecnologias no contexto escolar brasileiro.
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1. CONTRIBUIÇÕES DOS RECURSOS DE COMUNICAÇÃO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA
A análise dos estudos revisados evidencia o papel fundamental dos recursos de Comunicação Aumentativa e Alternativa no desenvolvimento de habilidades comunicativas de estudantes com TEA. Pesquisas conduzidas por Olmedo (2015) e Brito (2016) demonstraram que programas de capacitação de professores para o uso do PECS-Adaptado resultaram em melhorias significativas na comunicação expressiva dos estudantes, que passaram a utilizar as trocas de figuras de forma mais espontânea e funcional em diferentes contextos.
O estudo de Togashi e Walter (2016), publicado na Revista Brasileira de Educação Especial, analisou as contribuições da comunicação alternativa no processo de inclusão escolar de um estudante com TEA no ensino fundamental. Os resultados indicaram que a implementação do PECS-Adaptado favoreceu não apenas a comunicação funcional, mas também a interação social do estudante com professores e colegas, demonstrando a dimensão relacional dos sistemas de CAA.
A revisão de literatura conduzida por Nunes et al. (2021) sobre comunicação alternativa para alunos com autismo na escola identificou avanços importantes na produção científica brasileira. Os autores destacaram que as intervenções com CAA têm expandido seu escopo para além da comunicação de necessidades básicas, contemplando também a expressão de sentimentos, comentários sobre eventos e participação em atividades acadêmicas diversificadas.
Os recursos de alta tecnologia para CAA também têm demonstrado resultados promissores. A pesquisa de Pelosi et al. (2020), que investigou recursos de alta tecnologia para comunicação e TEA, identificou que dispositivos geradores de fala e aplicativos de comunicação alternativa oferecem vantagens como portabilidade, variedade de vocabulário e possibilidade de personalização, características valorizadas tanto por usuários quanto por profissionais que acompanham estudantes com TEA.
Cabe destacar que a efetividade dos recursos de CAA está diretamente relacionada à consistência de seu uso nos diferentes contextos de vida do estudante. Os estudos analisados evidenciam a importância do envolvimento familiar e da articulação entre escola, serviços de saúde e família para garantir a generalização das habilidades comunicativas desenvolvidas. A continuidade do uso da CAA em casa, na escola e em outros ambientes sociais potencializa os resultados das intervenções.
Os dados também indicam que a CAA não substitui o desenvolvimento da linguagem oral, mas pode funcionar como um facilitador desse processo. Vários estudos relataram que estudantes que utilizaram sistemas de comunicação por figuras apresentaram aumento na vocalização e, em alguns casos, desenvolvimento de palavras funcionais, sugerindo que a CAA pode atuar como um suporte temporário ou permanente conforme as necessidades de cada indivíduo.
4.2. APLICATIVOS E SOFTWARES EDUCACIONAIS PARA ESTUDANTES COM TEA
A proliferação de dispositivos móveis e aplicativos educacionais tem oferecido novas possibilidades para a educação de estudantes com TEA. O estudo de Scotini, Orsati e Macedo (2021), que realizou um levantamento e avaliação de aplicativos para apoio ao aprendizado de crianças com TEA, identificou diversas ferramentas disponíveis nas plataformas App Store e Play Store que trabalham habilidades de pareamento, categorização, reconhecimento de emoções e situações sociais.
O aplicativo ABC Autismo, desenvolvido por pesquisadores brasileiros com base nos princípios do método TEACCH, representa um exemplo bem-sucedido de tecnologia educacional desenvolvida especificamente para a alfabetização de crianças com autismo. Conforme descrevem Farias, Silva e Cunha (2015), o aplicativo oferece atividades progressivas que trabalham desde habilidades pré-acadêmicas até o reconhecimento de letras e palavras, com interface intuitiva e feedback visual que favorece a compreensão dos estudantes.
A pesquisa de Reis, Souza e Oliveira (2020), publicada na revista EccoS, analisou aplicativos baseados no TEACCH como auxílio no processo de alfabetização de crianças autistas. Os autores destacaram as contribuições dos aplicativos Lina Educa e ABC Autismo como ferramentas pedagógicas que podem ser utilizadas tanto em contextos escolares quanto domiciliares, ampliando as oportunidades de aprendizagem dos estudantes e possibilitando maior envolvimento das famílias no processo educacional.
A revisão conduzida por França et al. (2022) sobre aplicativos educativos como apoio pedagógico para estudantes com TEA identificou um crescimento significativo na produção brasileira de tecnologias digitais voltadas a essa população. Os autores apontaram, contudo, a necessidade de estudos que avaliem a efetividade dessas ferramentas em condições controladas, uma vez que muitos aplicativos disponíveis carecem de validação científica rigorosa.
O estudo de Benitez et al. (2021), publicado na Revista Brasileira de Informática na Educação, analisou aplicativos para intervenção comportamental de estudantes com TEA. Os pesquisadores categorizaram os aplicativos em: ensino por tentativa discreta, comunicação por pictograma e aplicativos gerais com registro de resposta. Os resultados indicaram a necessidade de maior personalização das tarefas e estímulos para atender às características individuais dos usuários.
Um aspecto relevante identificado nos estudos refere-se à preferência de muitos estudantes com TEA por dispositivos tecnológicos. Conforme apontam Branco et al. (2021), os aplicativos móveis podem impactar positivamente o cotidiano de crianças autistas, oferecendo uma plataforma previsível e controlável que reduz a ansiedade associada a situações sociais imprevisíveis. Essa característica favorece o engajamento dos estudantes nas atividades propostas e pode facilitar a aprendizagem de novos conteúdos.
Os estudos também apontam para a importância da adequação das características dos aplicativos às necessidades sensoriais dos estudantes com TEA. Aspectos como cores, sons, animações e feedback devem ser cuidadosamente planejados para evitar sobrecarga sensorial e garantir que a ferramenta seja funcional para o maior número possível de usuários, considerando a heterogeneidade das características sensoriais dessa população.
4.3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E USO DE TECNOLOGIAS ASSISTIVAS
A análise dos estudos revisados evidencia que a formação de professores constitui elemento central para a efetividade das tecnologias assistivas na educação de estudantes com TEA. A pesquisa de Camargo et al. (2020), publicada na Educação em Revista, investigou os desafios no processo de escolarização de crianças com autismo na perspectiva dos professores. Os resultados indicaram que os docentes reconhecem a importância das tecnologias assistivas, mas relatam insegurança em sua utilização devido à formação insuficiente recebida.
O estudo de Faria et al. (2018), sobre atitudes e práticas pedagógicas de inclusão para estudantes com autismo, destacou que muitos professores desconhecem as características do TEA e as estratégias pedagógicas adequadas para atender esses estudantes. Os autores enfatizam a necessidade de programas de formação continuada que abordem não apenas aspectos teóricos sobre o transtorno, mas também o uso prático de recursos tecnológicos e adaptativos em sala de aula.
A revisão bibliográfica conduzida por Santos et al. (2022) sobre formação de professores e TEA identificou uma lacuna significativa nos currículos de licenciatura em relação à preparação dos docentes para atuar com estudantes com autismo. Os autores apontam que a maior parte dos estudos publicados focaliza a formação continuada, sugerindo a necessidade de maior atenção à formação inicial de professores nas instituições de ensino superior.
Os estudos analisados convergem na indicação de que programas de capacitação efetivos devem contemplar: conhecimentos sobre as características do TEA e seus impactos na aprendizagem; estratégias de adaptação curricular e metodológica; uso de recursos visuais e tecnologias assistivas; técnicas de comunicação alternativa; e trabalho colaborativo com famílias e equipes multiprofissionais.
A articulação entre teoria e prática, com oportunidades de experimentação e reflexão sobre a própria prática docente, é apontada como elemento fundamental para a transferência dos conhecimentos para a sala de aula. Programas de formação que oferecem acompanhamento e supervisão aos professores após a capacitação inicial tendem a apresentar resultados mais consistentes em termos de mudança nas práticas pedagógicas.
O papel do Atendimento Educacional Especializado (AEE) na formação e apoio aos professores do ensino comum também emerge como tema relevante nos estudos revisados. Conforme destacam Ropoli et al. (2010), o AEE deve funcionar como um serviço de apoio à inclusão, orientando os professores sobre estratégias e recursos que favoreçam a participação dos estudantes com TEA nas atividades escolares regulares.
A análise dos estudos também revela a importância do trabalho colaborativo entre professores do ensino comum e professores especializados. A troca de conhecimentos e experiências, o planejamento conjunto de atividades e a corresponsabilização pelo processo educacional dos estudantes com TEA são elementos que potencializam os resultados das intervenções e contribuem para a construção de práticas pedagógicas mais inclusivas.
4.4. DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA IMPLEMENTAÇÃO DAS TECNOLOGIAS ASSISTIVAS
Apesar dos avanços identificados na produção científica e no desenvolvimento de tecnologias assistivas para estudantes com TEA, os estudos revisados apontam desafios significativos que precisam ser enfrentados para a efetiva implementação dessas ferramentas no contexto escolar brasileiro. Silva, Lückmann e Wilbert (2023) destacam que a aquisição e manutenção de tecnologias assistivas representam um investimento significativo, frequentemente além das possibilidades orçamentárias de muitas escolas públicas.
A disparidade regional no acesso às tecnologias assistivas constitui outro desafio identificado nos estudos. Enquanto escolas localizadas em grandes centros urbanos tendem a dispor de maior variedade de recursos, instituições de ensino em regiões periféricas e municípios de menor porte frequentemente carecem de infraestrutura tecnológica básica. Essa desigualdade compromete o princípio da equidade educacional e demanda políticas públicas de distribuição de recursos mais abrangentes e equitativas.
A carência de estudos que avaliem a efetividade das tecnologias assistivas em contextos controlados representa uma lacuna importante na produção científica brasileira. Conforme apontam pesquisadores da área, muitas intervenções são implementadas sem fundamentação empírica consistente, o que dificulta a identificação das práticas mais eficazes e a tomada de decisões baseadas em evidências científicas.
A rotatividade de professores e a descontinuidade de projetos também são apontadas como obstáculos para a consolidação do uso de tecnologias assistivas nas escolas. Programas de capacitação que não contam com mecanismos de acompanhamento e suporte contínuo tendem a ter seus efeitos diluídos ao longo do tempo, resultando no abandono das práticas aprendidas e no retorno a metodologias tradicionais.
Por outro lado, as perspectivas para o campo são promissoras. O crescente interesse da comunidade científica pelo tema, evidenciado pelo aumento nas publicações nos últimos anos, sinaliza um movimento de consolidação da pesquisa em tecnologias assistivas e autismo no Brasil. Além disso, o desenvolvimento de aplicativos e recursos por pesquisadores brasileiros, considerando as especificidades do contexto nacional, representa um avanço importante para a adequação das tecnologias às necessidades locais.
A integração entre diferentes áreas do conhecimento, incluindo educação, saúde, tecnologia da informação e design, tem possibilitado o desenvolvimento de soluções mais adequadas às características dos estudantes com TEA. Essa perspectiva interdisciplinar é fundamental para a criação de recursos que contemplem não apenas aspectos funcionais, mas também questões relacionadas à usabilidade, acessibilidade e experiência do usuário.
A participação das próprias pessoas com TEA e de suas famílias no desenvolvimento e avaliação de tecnologias assistivas emerge como tendência importante identificada nos estudos mais recentes. Essa abordagem participativa favorece a criação de recursos que efetivamente atendam às necessidades e preferências dos usuários, superando a perspectiva capacitista que historicamente orientou o desenvolvimento de tecnologias para pessoas com deficiência.
O avanço das políticas públicas de inclusão e acessibilidade também oferece perspectivas positivas para o campo. A consolidação do direito à educação inclusiva e o reconhecimento da importância das tecnologias assistivas nos marcos legais brasileiros criam condições favoráveis para a ampliação do acesso a esses recursos e para o investimento em pesquisa e desenvolvimento de novas soluções.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo permitiu analisar os impactos das tecnologias assistivas e da inovação pedagógica no processo de aprendizado de estudantes com Transtorno do Espectro Autista em contextos educacionais inclusivos. A revisão da literatura evidenciou contribuições significativas desses recursos para o desenvolvimento de habilidades comunicativas, cognitivas e sociais dessa população, confirmando o potencial das tecnologias assistivas como ferramentas de promoção da inclusão escolar.
Os recursos de Comunicação Aumentativa e Alternativa, especialmente os sistemas de comunicação por figuras como o PECS e sua versão brasileira PECS-Adaptado, demonstraram efetividade na ampliação das possibilidades comunicativas de estudantes com TEA não verbais ou com fala limitada. A integração desses sistemas com recursos tecnológicos, como aplicativos de comunicação alternativa e dispositivos geradores de voz, tem expandido as formas de expressão disponíveis para os usuários, possibilitando maior participação nas interações sociais e nas atividades acadêmicas.
Os aplicativos e softwares educacionais desenvolvidos com base em metodologias estruturadas, como o TEACCH, oferecem atividades adequadas às características de aprendizagem dos estudantes com TEA, com recursos visuais, feedback imediato e possibilidade de adaptação ao ritmo individual. Ferramentas como o ABC Autismo exemplificam o potencial da produção tecnológica brasileira para atender às necessidades específicas dessa população, considerando aspectos culturais e linguísticos do contexto nacional.
Todavia, a efetividade das tecnologias assistivas está condicionada a fatores como a formação adequada dos professores, a disponibilidade de recursos nas escolas e o envolvimento das famílias no processo educacional. Os estudos revisados evidenciam lacunas na formação docente para o uso dessas tecnologias, indicando a necessidade de investimentos em programas de formação inicial e continuada que contemplem conhecimentos teóricos e práticos sobre o tema.
Os desafios relacionados ao financiamento, à infraestrutura tecnológica e à desigualdade regional no acesso aos recursos demandam atenção das políticas públicas educacionais. A superação desses obstáculos requer a articulação entre diferentes esferas governamentais, instituições de ensino e pesquisa, e organizações da sociedade civil comprometidas com a inclusão educacional de pessoas com TEA.
As perspectivas para o campo são promissoras, considerando o crescente interesse da comunidade científica pelo tema, o desenvolvimento de tecnologias por pesquisadores brasileiros e a participação de pessoas com TEA e suas famílias nos processos de criação e avaliação de recursos. Essa abordagem colaborativa e participativa tende a resultar em soluções mais adequadas às necessidades reais dos usuários.
Por fim, sugere-se a realização de estudos futuros que investiguem a efetividade das tecnologias assistivas em delineamentos experimentais controlados, contribuindo para a consolidação de práticas baseadas em evidências no campo da educação de estudantes com TEA. A produção de conhecimento científico robusto sobre o tema é fundamental para orientar políticas públicas, práticas pedagógicas e o desenvolvimento de novas tecnologias que efetivamente promovam a inclusão e o desenvolvimento integral dessa população.
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Citação:
MATSUMOTO, Fabiani Keiko; AGUIAR, Maria Neuma Gonçalves; RODRIGUES, Fabiana Martins. Tecnologias assistivas e inovação pedagógica: impactos no aprendizado de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.3, n.1, 2025; p. 869-894. ISSN 2965976-0 | D.O.I.:
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