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OS DESAFIOS NA REPARAÇÃO DE DANOS COLETIVOS EM CASOS DE LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Atualizado: 11 de jan.

THE CHALLENGES IN THE REPARATION OF COLLECTIVE DAMAGES IN CASES OF INJURY TO HOMOGENEOUS INDIVIDUAL RIGHTS





Como citar esse artigo:


SANTOS, Mariana Bortolini Estevinho dos; SANTIAGO, Vanessa Aparecida Costa. Os desafios na reparação de danos coletivos em casos de lesão a direitos individuais homogêneos. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 3, n. 1, 2023; p. 112-125. ISBN: 978-65-85898-05-8 | D.O.I: http://doi.org/10.59283/ebk-978-65-85898-05-8


Autores:


Mariana Bortolini Estevinho dos Santos

Discente do curso de direito pela FAIT em Itapeva SP – Contato: marianaestevinhoo@gmail.com


Vanessa Aparecida Costa Santiago

Mestrado em Direito pela Universidade Católica de Santos, Especialista em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito, Professora e Coordenadora do Curso de graduação da FAIT (Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva), Advogada - Contato: vanessacostaadv@hotmail.com


RESUMO


A proteção dos direitos individuais e a busca por justiça são pilares fundamentais em sistemas jurídicos ao redor do mundo. Entretanto, surge um cenário complexo quando se trata de direitos individuais homogêneos. Este artigo aborda as questões legais, jurisprudenciais e práticas que envolvem esse tema, explorando as peculiaridades dos direitos individuais homogêneos e as complexidades inerentes a ações coletivas que buscam sua reparação. Uma das principais discussões é a representação adequada em casos concretos, especialmente no sistema jurídico brasileiro. A falta de uma análise rigorosa nesse aspecto é apontada como uma das razões para não permitir a projeção de efeitos da decisão coletiva sobre a esfera processual individual, independentemente do resultado do processo. Há o argumento da possível inconstitucionalidade em negar o acesso à justiça ao verdadeiro titular do bem da vida, um direito sempre materialmente individual, caso ele deseje buscar a tutela de maneira pessoal, desde que cumpra as condições e pressupostos estabelecidos pela legislação para o exercício do direito de ação. Este artigo explora questões complexas, destacando a necessidade de equilibrar a proteção dos direitos individuais e a eficácia das ações coletivas na busca por justiça, levando em consideração a realidade jurídica brasileira.


Palavras-chave: Acesso à justiça; Direito do consumidor; Reparação de danos coletivos.



ABSTRACT


The protection of individual rights and the pursuit of justice are fundamental pillars in legal systems around the world. However, a complex scenario arises when it comes to homogeneous individual rights. This article addresses the legal, jurisprudential, and practical issues surrounding this topic, exploring the peculiarities of homogeneous individual rights and the inherent complexities of collective actions seeking their redress. One of the key discussions is the adequate representation in specific cases, especially in the Brazilian legal system. The lack of a rigorous analysis in this regard is cited as one of the reasons for not allowing the projection of the effects of collective decisions on the individual procedural sphere, regardless of the outcome of the process. There is an argument about the possible unconstitutionality of denying access to justice to the true holder of the right, which is always materially individual, if they wish to seek protection personally, provided they meet the conditions and prerequisites established by the law for the exercise of the right to action. This article explores complex issues, highlighting the need to balance the protection of individual rights and the effectiveness of collective actions in the pursuit of justice, considering the legal reality in Brazil.


Keywords: Access to justice; Consumer law; Collective damage redress.



1. INTRODUÇÃO


A proteção dos direitos individuais e a busca por justiça são princípios fundamentais em sistemas jurídicos em todo o mundo. No entanto, o cenário jurídico frequentemente se depara com situações em que direitos individuais de um grande grupo de pessoas são lesados de maneira semelhante, dando origem a um desafio complexo e intrigante: a reparação de danos coletivos em casos de lesão a direitos individuais homogêneos. Este tema suscita uma série de questionamentos e requer uma análise aprofundada de questões legais, jurisprudenciais e práticas que permeiam essa área do Direito.


A presente pesquisa tem como objetivo explorar e analisar de maneira crítica esses desafios na reparação de danos coletivos em casos de lesão a direitos individuais homogêneos. A complexidade desse tema decorre da interseção entre direitos individuais e coletivos, bem como das nuances legais envolvidas na identificação, quantificação e reparação dos danos sofridos por grupos de indivíduos. Através desta pesquisa, buscamos lançar luz sobre as dificuldades enfrentadas por profissionais do Direito, magistrados e legisladores na busca de soluções justas e eficazes para casos desse tipo.


A problemática que norteia este estudo reside na necessidade de equilibrar a justiça individual com a eficiência da justiça coletiva, especialmente quando se trata de lesões a direitos individuais homogêneos. Como conciliar a reparação adequada dos danos sofridos por um grupo numeroso de pessoas com os princípios do devido processo legal e da celeridade na resolução de conflitos? Como quantificar os danos de maneira justa e distribuir os recursos de forma equitativa entre os membros do grupo afetado? São desafios que clamam por soluções jurídicas, doutrinárias e práticas.


A justificativa para este estudo é fundamentada na relevância intrínseca do tema para a sociedade, para o sistema jurídico e para a academia. A compreensão e superação dos desafios na reparação de danos coletivos em casos de lesão a direitos individuais homogêneos são cruciais para garantir a efetividade da Justiça, a proteção dos direitos dos cidadãos e a manutenção da confiança no sistema jurídico. Além disso, à medida que sociedades modernas enfrentam questões cada vez mais complexas, a pesquisa acadêmica é essencial para informar e aprimorar as práticas jurídicas e regulatórias.


A pesquisa que se segue tem como propósito contribuir para a compreensão aprofundada dessas questões e oferecer insights valiosos para a comunidade jurídica, legisladores e estudiosos interessados na interseção entre direitos individuais e coletivos.


2. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO


2.1 CONCEITUAÇÃO


O delineamento das categorias de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos é enunciado no Código de Defesa do Consumidor.


Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum (CDC).

Portanto, constata-se que os interesses ou direitos difusos se caracterizam como aqueles de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas, unidas por circunstâncias de fato. Por outro lado, os direitos coletivos, igualmente indivisíveis, pertencem a grupos, categorias ou classes de indivíduos conectados entre si ou com a parte contrária por meio de uma relação jurídica fundada. Já os direitos individuais homogêneos são concebidos como resultantes de uma origem comum.


Os direitos individuais homogêneos não compartilham da mesma amplitude dos direitos difusos e dos direitos coletivos stricto sensu. No entanto, foram classificados como coletivos devido à proteção que o legislador desejou conferir a eles, apesar de sua natureza fundamentalmente ser de direitos individuais. Esses direitos, por serem de origem comum e apresentarem características homogêneas, podem ser consolidados em uma única ação coletiva, o que permite preservar a eficiência e agilidade do sistema jurídico em prol dos consumidores prejudicados.


Xisto Neto (2012) explana que a definição dos interesses individuais homogêneos foi o marco que propiciou a introdução da "class action" no sistema processual brasileiro, assimilando-se ao disposto na regra n. 23 das Federal Rules of Civil Procedure, conforme adotado pelo direito norte-americano. O propósito preponderante desses direitos reside na facilitação de um provimento judicial que seja mais uniforme, ágil e eficaz aos consumidores que tenham sofrido lesões decorrentes de um mesmo ato de responsabilidade praticado pelo fornecedor. Ademais, busca-se ampliar a legitimidade das diversas entidades e órgãos indicados no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).


Esses direitos e interesses ostentam uma natureza essencialmente individual, entretanto, devido a considerações vinculadas à coerência, eficiência e economia processual, impera a necessidade de sua persecução ser realizada de forma coletiva. Nesse contexto, eles adquirem uma dimensão acidentalmente supraindividual. Essa abordagem não deriva de um natural indivisibilidade do objeto em questão, que caracteriza os interesses e direitos públicos e difusos, tampouco da existência de uma relação jurídica base, como ocorre nos interesses coletivos stricto sensu. Em vez disso, tal dimensão é atribuída em virtude da imperativa demanda de facilitar o acesso à justiça por parte dos titulares desses direitos, como decorrência do mandamento constitucional de promoção da defesa dos consumidores, embora a sua aplicação não se restrinja exclusivamente ao domínio das relações de consumo.


2.2 CONTEXTO LEGAL E JURISPRUDENCIAL


Desde a promulgação da Lei da Ação Popular em 1965, a legislação tem gradualmente abrigado a proteção de direitos que transcendem a esfera da individualidade. Isso ocorre devido à crescente coletivização dos conflitos em uma sociedade caracterizada por relações em massa, bem como em resposta à necessidade do aparato estatal de instituir mecanismos de resolução para tais conflitos.


O Código de Defesa do Consumidor no contexto brasileiro estabeleceu um sistema que claramente delineia a responsabilidade civil dos fornecedores com base em um fundamento singular, o qual estabelece a responsabilidade tanto contratual como extracontratual desses fornecedores: o dever de qualidade. A não observância desse dever gera a obrigação objetiva de reparar os danos causados. Essa norma decorre do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, proporcionando-lhe uma proteção mais abrangente contra os danos, uma vez que o consumidor é isento do ônus de comprovar a culpa do fornecedor (SILVA, 2009, p. 123).


O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabeleceu nos incisos I, II e III do parágrafo único do art. 81 as definições de direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos. Vale ressaltar que as duas primeiras categorias já eram reconhecidas no ordenamento jurídico, enquanto a última foi criada pelo próprio CDC.


O Código de Defesa do Consumidor não apenas estabeleceu as definições de direito difuso e direito coletivo, mas também inovou ao criar uma nova categoria, até então desconhecida em nosso direito, denominada de direitos individuais homogêneos. O risco inerente à imposição de uma "definição" por meio de lei é acentuado, uma vez que, mesmo na literatura especializada internacional, tais conceitos ainda não foram plenamente consolidados. No entanto, dada a limitação do conhecimento e a falta de informação em nossa cultura, a adoção da técnica de "definição legal" pelo CDC representou um avanço de várias décadas em nosso sistema jurídico (LISBOA, 2017).


Como já dito, os direitos individuais homogêneos são considerados coletivos devido à proteção legislativa, embora sejam essencialmente individuais. Eles podem ser reunidos em uma ação coletiva para eficiência e agilidade na proteção dos consumidores prejudicados.


Dessa maneira, conforma aponta Xisto Neto (2012) as características dos direitos individuais homogêneos são:


Apesar de sua inerente singularidade, autoriza-se a imposição de tutela por meio de procedimentos coletivos, devido à sua emergência de uma circunstância compartilhada, caracterizada por sua uniformidade qualitativa. A demanda por uniformidade exige a coexistência de identidade e uma multiplicidade de direitos, sem que seja necessária a precisa quantificação do número total de indivíduos que detêm os interesses sob proteção. Estes procedimentos coletivos abrangem um grupo de indivíduos que são uniformemente afetados por uma lesão ou ameaça de dano, inicialmente dispersos, mas com a possibilidade de serem posteriormente identificados. Os interesses em questão são passíveis de serem divididos entre os sujeitos envolvidos. Não há uma base de relação jurídica direta entre os indivíduos afetados; sua conexão se estabelece exclusivamente devido à origem comum que dá origem aos interesses em disputa. (XISTO NETO, 2012).

A despeito da origem comum e da natureza dos direitos individuais que demonstram homogeneidade, é imperativo ressaltar que tal cenário não deve ser confundido com o litisconsórcio ativo. No litisconsórcio ativo, ocorre a formação de um grupo de pessoas no polo ativo da demanda, cada uma detentora de seus próprios direitos individuais.


Por outro lado, nos casos de direitos individuais homogêneos, o polo ativo será composto por um dos legitimados de acordo com o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, que buscará, em nome de uma coletividade específica, a reivindicação de direitos pertencentes a terceiros.


Nos casos envolvendo direitos individuais homogêneos, um dos sujeitos legitimados, conforme previsto no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, tem a capacidade de iniciar uma ação civil coletiva em seu próprio nome e no interesse das vítimas ou de seus sucessores legais. Nesse cenário, a ação visa a responsabilização pelos danos individualmente suportados por essas vítimas.


Em decorrência disso, em caso de condenação, a sentença terá um caráter genérico, estabelecendo a responsabilidade do(s) réu(s) pelos danos causados, sem a necessidade de especificar cada lesão individual. Como resultado, tanto os sujeitos legitimados de acordo com o artigo 82 do CDC quanto as próprias vítimas e seus sucessores terão a possibilidade, dentro de um prazo de até um ano, de executar a sentença. Isso significa que a sentença terá um caráter reparatório e indenizatório, conforme a natureza do dano em questão.


A título de exemplificação, a seguir está um julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com relatoria do Ministro Herman Benjamin, no qual ocorreu uma condenação genérica referente a danos patrimoniais e extrapatrimoniais de natureza "coletiva", no contexto de interesses individuais homogêneos. Isso se deu no caso de consumidores que foram prejudicados devido à má prestação de serviços de fornecimento de energia elétrica:


CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. INTERRUPÇÃO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL COLETIVO. DEVER DE INDENIZAR. 1. Cuida-se de Recursos Especiais que debatem, no essencial, a legitimação para agir do Ministério Público na hipótese de interesse individual homogêneo e a caracterização de danos patrimoniais e morais coletivos, decorrentes de frequentes interrupções no fornecimento de energia no Município de Senador Firmino, culminando com a falta de eletricidade nos dias 31 de maio, 1º e 2 de junho de 2002. Esse evento causou, entre outros prejuízos materiais e morais, perecimento de gêneros alimentícios nos estabelecimentos comerciais e nas residências; danificação de equipamentos elétricos; suspensão do atendimento no hospital municipal; cancelamento de festa junina; risco de fuga dos presos da cadeia local; e sentimento de impotência diante de fornecedor que presta com exclusividade serviço considerado essencial. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 3. O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar em defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores. Precedentes do STJ. 4. A apuração da responsabilidade da empresa foi definida com base na prova dos autos. Incide, in casu, o óbice da Súmula 7/STJ. 5. O dano moral coletivo atinge interesse não patrimonial de classe específica ou não de pessoas, uma afronta ao sentimento geral dos titulares da relação jurídica-base. 6. O acórdão estabeleceu, à luz da prova dos autos, que a interrupção no fornecimento de energia elétrica, em virtude da precária qualidade da prestação do serviço, tem o condão de afetar o patrimônio moral da comunidade. Fixado o cabimento do dano moral coletivo, a revisão da prova da sua efetivação no caso concreto e da quantificação esbarra na Súmula 7/STJ. 7. O cotejo do conteúdo do acórdão com as disposições do CDC remete à sistemática padrão de condenação genérica e liquidação dos danos de todos os munícipes que se habilitarem para tanto, sem limitação àqueles que apresentaram elementos de prova nesta demanda (Boletim de Ocorrência). Não há, pois, omissão a sanar. 8. Recursos Especiais não providos.
(STJ - REsp: 1197654 MG 2010/0105104-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 01/03/2011, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/03/2012).

O acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em questão refere-se a uma ação civil coletiva que envolveu a interrupção do fornecimento de energia elétrica em Senador Firmino, causando prejuízos materiais e morais aos consumidores afetados. O Ministro Herman Benjamin proferiu o voto relator no caso.


O acórdão avaliou a legitimidade do Ministério Público para agir em casos de interesse individual homogêneo, concluindo que o Ministério Público tinha legitimidade para representar os interesses dos consumidores prejudicados.


O caso envolveu a caracterização de danos patrimoniais e morais coletivos decorrentes das interrupções frequentes no fornecimento de energia elétrica. Os prejuízos incluíram danos a equipamentos elétricos, perecimento de alimentos em estabelecimentos comerciais, cancelamento de eventos e risco de fuga de presos na cadeia local.


Foi destacado que o dano moral coletivo afeta interesses não patrimoniais de uma classe específica ou de pessoas em geral, representando uma ofensa ao sentimento geral dos titulares da relação jurídica-base.


O acórdão estabeleceu que a interrupção no fornecimento de energia elétrica, devido à qualidade precária do serviço, afetou o patrimônio moral da comunidade. A revisão da prova e a quantificação desse dano específico foram consideradas restritas pela Súmula 7 do STJ, que limita a reavaliação de provas em instâncias superiores.


A análise do acórdão à luz das disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC) indicou que o processo seguia uma abordagem de condenação genérica e liquidação dos danos de todos os munícipes que se habilitassem, sem necessariamente limitar a compensação aos que apresentaram elementos de prova específicos na demanda.


Assim, o acórdão concluiu que não havia omissão a ser corrigida e que o Ministério Público estava legitimado a agir na representação dos consumidores afetados pelas interrupções no fornecimento de energia elétrica, determinando a continuidade do processo para a liquidação dos danos patrimoniais e morais coletivos em questão.


3. RESULTADOS E DISCUSSÕES


3.1 PECULIARIDADES EM RELAÇÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS


Peculiaridades em relação aos direitos individuais homogêneos referem-se a características distintivas e específicas dessas categorias de direitos no contexto de ações coletivas. Tais peculiaridades incluem:


Natureza Híbrida: Os direitos individuais homogêneos se caracterizam por uma natureza jurídica híbrida, combinando elementos de direitos individuais e coletivos. Embora sejam, em essência, direitos individuais, eles podem ser consolidados em ações coletivas devido à sua origem comum e homogeneidade.


Requisitos de Homogeneidade: Para que um direito seja classificado como individual homogêneo, é necessário que haja uma conexão comum entre os direitos afetados e que exista uniformidade nas circunstâncias fáticas que os envolvem.


Instrumento de Eficiência: A criação dessa categoria de direitos visa aprimorar a eficiência do sistema de justiça, permitindo que múltiplos casos individuais semelhantes sejam tratados em uma única ação coletiva. Isso reduz a sobrecarga do sistema judiciário e otimiza a proteção dos consumidores.


Necessidade de Individualização: Apesar de serem tratados coletivamente, os danos individuais ainda precisam ser comprovados e quantificados para cada membro do grupo. Isso implica a necessidade de individualização dos casos, o que pode ser um desafio em ações de larga escala.


Limites à Coletivização: Nem todos os direitos individuais podem ser enquadrados como homogêneos. O legislador estabeleceu critérios específicos para determinar quando um direito pode ser considerado como tal.


Benefício Coletivo: Embora a ação envolva direitos individuais, a finalidade subjacente das ações coletivas é promover o benefício coletivo, garantindo uma reparação eficaz e eficiente para o grupo afetado.


Complexidade Processual: A gestão de casos envolvendo direitos individuais homogêneos é complexa, requerendo uma estrutura processual adequada para lidar com a multiplicidade de interessados e demandas específicas de cada membro.


3.2 DESAFIOS NA REPARAÇÃO DE DANOS COLETIVOS


A reparação de danos relativos a direitos individuais homogêneos inseridos em uma estrutura de ações coletivas é suscetível a desafios legais e operacionais, decorrentes da inerente complexidade que caracteriza esse gênero de demanda coletiva. Entre os principais entraves, destacam-se:


Determinar quem são os consumidores afetados por uma mesma situação problemática pode ser desafiador. É necessário definir critérios para a identificação dos membros da ação coletiva, o que pode ser complicado em casos de grande escala.


Embora esses casos sejam tratados coletivamente, muitas vezes é necessário comprovar os danos individuais sofridos por cada membro do grupo. Isso pode envolver a apresentação de documentos e evidências específicas para cada caso, tornando o processo demorado e complexo.


Ações coletivas podem envolver consumidores de diversas localidades, e as regras de competência territorial podem criar obstáculos, exigindo ações em diferentes jurisdições, o que aumenta a complexidade e os custos do processo.


Em algumas situações, a quantificação dos danos individuais pode ser complicada, especialmente quando se trata de danos morais, por exemplo. Isso pode levar a debates prolongados sobre a extensão dos danos e a compensação apropriada.

Processos coletivos demandam recursos financeiros significativos e podem se estender por longos períodos. Isso pode desencorajar potenciais autores de ações coletivas e retardar a resolução dos casos.


Empresas e fornecedores frequentemente contestam alegações de danos coletivos individuais homogêneos, o que pode resultar em litígios prolongados e custosos.

Além de todo o exposto, muitos consumidores podem não estar cientes de seus direitos ou das ações coletivas em andamento, o que pode dificultar a mobilização e participação ativa dos afetados.


Apesar desses obstáculos, a criação da categoria de direitos individuais homogêneos pelo Código de Defesa do Consumidor representou um avanço significativo na proteção dos consumidores, permitindo ações coletivas para casos que, de outra forma, seriam difíceis de litigar individualmente. No entanto, o sistema ainda está em constante desenvolvimento e ajustes podem ser necessários para superar esses desafios.


O procedimento bifásico adotado no processo de conhecimento, como decorrência da sistemática que envolve a sentença genérica coletiva, no qual se resolvem as questões comuns do grupo, deixando a apreciação das questões singulares para a fase subsequente de liquidação e execução individual, conhecido como "transporte in utilibus," suscita questionamentos sobre sua eficácia real. Isso ocorre à luz da observação de que as ações individuais que deixaram de ser intentadas durante a fase de conhecimento do processo coletivo precisarão ser obrigatoriamente instauradas no estágio de satisfação do direito já reconhecido. Não se pode ignorar os desafios que advêm da possível coexistência da ação coletiva com ações individuais correlatas durante a fase de execução, o que acarreta a real possibilidade de múltiplas condenações impostas ao réu.


O regime mencionado trata da aplicação dos efeitos de uma decisão coletiva já transitada em julgado a terceiros individuais que desejem discutir o mesmo direito em uma ação singular. Quando a Lei de Ação Civil Pública (LACP) elenca legitimados extraordinários para ajuizar uma ação coletiva, a coisa julgada material se estabelece para esses terceiros, a menos que a improcedência da demanda coletiva se baseie em falta de provas. Portanto, se uma ação coletiva em defesa de direito individual homogêneo for julgada improcedente e proposta por uma entidade, como a Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério Público Federal (MPF) não poderá o o terceiro intentar uma ação semelhante, desde que haja identidade de direito, pedido e causa de pedir entre as ações.


A relevância do tema da representação adequada está associada à projeção dos efeitos de uma decisão coletiva já transitada em julgado para terceiros individuais que buscam discutir o mesmo direito em uma ação singular. Embora a legislação brasileira estabeleça alguns requisitos para entidades que atuam como substitutas processuais, como pertinência temática e um ano de constituição legal, ela não fornece uma regulamentação detalhada sobre a avaliação concreta da capacidade do substituto processual em defender os interesses individuais homogêneos de um grupo específico.


Distinção é feita entre a representação adequada e a representatividade adequada. A primeira se refere à habilidade do legitimado ativo em conduzir eficazmente o processo e defender os interesses da sociedade em uma ação coletiva específica. A segunda está relacionada com a titularidade do poder de agir em juízo dos entes intermediários, definida previamente pela lei.


A ausência de uma análise rigorosa da representação adequada em casos concretos é uma das razões para a não adoção, no sistema jurídico brasileiro, da projeção de efeitos da decisão coletiva sobre a esfera processual individual, independentemente do resultado do processo. Outro argumento que sustenta essa opção é a possível inconstitucionalidade de negar o acesso à justiça ao verdadeiro titular do bem da vida - um direito sempre materialmente individual - se ele desejar buscar essa tutela de maneira pessoal, desde que cumpra as condições e pressupostos estabelecidos pela legislação para o exercício do direito de ação (SERPA, 2016).


Tal argumento encontra apoio na ideia de que garantir o direito de ação não significa garantir o exercício pessoal em juízo pelo titular do interesse individual homogêneo. Existem várias técnicas processuais que indiretamente limitam o acesso do indivíduo à justiça, como as súmulas vinculantes, as súmulas impeditivas de recursos, julgamentos por amostragem, entre outras.

Nos termos do artigo 104 da Lei nº 8.078/90, quando não houver pedido de suspensão do processo individual após a ciência da propositura de uma ação coletiva envolvendo interesse individual homogêneo, o particular estará vinculado ao resultado de seu processo individual, sem poder se aproveitar de uma sentença favorável proferida na ação coletiva. O réu, por sua vez, é geralmente responsável por comunicar a existência da ação coletiva em andamento nos autos da ação individual. O juiz competente pode, por razões de eficiência, intimar o autor da ação individual para manifestar se deseja suspender seu processo ou desvincular-se da ação coletiva em curso.


Não obstante o propósito das ações coletivas que envolvem direitos individuais homogêneos, que visa a otimização dos recursos processuais ao evitar a necessidade de múltiplas ações individuais idênticas, é incontornável que, dentro do arcabouço estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), as disputas que foram evitadas na fase de conhecimento serão, inevitavelmente, apresentadas na etapa subsequente de liquidação e execução individual do julgado coletivo (SERPA, 2016).


Isso ocorre porque a sentença que decide o mérito de uma controvérsia coletiva envolvendo direitos individuais homogêneos, quando favorável aos autores, será genérica, estabelecendo a responsabilidade do réu pelos danos causados, conforme preceitua o artigo 95 do CDC. No que diz respeito às questões comuns ao grupo, a sentença será precisa e específica, reconhecendo a existência da lesão ou ameaça ao bem jurídico, atribuindo a responsabilidade ao réu e estabelecendo a obrigação de reparação. Em situações envolvendo direitos individuais homogêneos, é comum que haja uma condenação ao ressarcimento econômico dos danos reconhecidos, sendo, portanto, a existência da dívida e a identificação do devedor requisitos incontornáveis da sentença coletiva.


4. CONCLUSÃO


Nas considerações finais deste estudo, depreende-se que a problemática da reparação de danos coletivos em cenários que envolvem lesões a direitos individuais homogêneos assume um caráter de destacada relevância no âmbito do sistema jurídico brasileiro e, por extensão, em sistemas jurídicos internacionais. A presente análise permitiu uma incursão nas intricadas complexidades e desafios subjacentes a essa temática, delineando as repercussões conexas à justiça e à salvaguarda dos direitos individuais.


Avaliou-se a importância crucial da representação adequada, uma variável crítica na equação da resolução de conflitos desta natureza, sendo que a omissão de uma análise meticulosa nesse contexto pode acarretar prejuízos à eficácia das ações coletivas. Entretanto, é mister reconhecer que subsiste a discussão relativa à possível inconstitucionalidade no cerceamento do acesso à justiça ao indivíduo que anseia por obter a tutela de seu direito de maneira individual, desde que observados os preceitos regulamentares estabelecidos. Este aspecto evidencia a imprescindibilidade de uma ponderação cuidadosa entre a eficácia das ações coletivas e a preservação dos direitos individuais.


Adicionalmente, não se pode ignorar as particularidades que permeiam os direitos individuais homogêneos, as quais se mostram como elementos desafiadores e singulares, impondo a necessidade de uma abordagem analítica aprofundada, alinhada com uma postura criteriosa na busca por soluções imbuídas de justiça e equidade. As complexidades inerentes a essas demandas coletivas, com suas ramificações legais e operacionais, exigem uma apreciação minuciosa, com devida consideração às peculiaridades do sistema jurídico brasileiro.


Em suma, a problemática da reparação de danos coletivos em casos de lesão a direitos individuais homogêneos se insere como um campo de estudo de indiscutível complexidade e sutileza no âmbito do direito. A busca incessante pela justiça nesse contexto demanda uma cuidadosa ponderação entre a tutela dos direitos individuais e a eficácia das ações coletivas, em uma conjuntura que contempla as intrincadas matizes legais e operacionais inerentes. Este tema perdurará como objeto de relevância inarredável no contexto do sistema jurídico brasileiro e reclamará atenção contínua por parte dos operadores do direito e dos acadêmicos que se dedicam a esta seara.


5. REFERÊNCIAS


BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Portal da Legislação, Brasília, DF, 11 set. 1990. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 03 de novembro de 2023.


BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Planalto. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm acesso em: 05 de novembro de 2023.


BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. agravo de instrumento nº 0015920-24.2014.8.19.0000. Disponível em: https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1898894&tipo=0&nreg=201101586508&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20191212&formato=PDF&salvar=false acesso em: 05 de novembro de 2023


LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. Saraiva Educação SA, 2017.


NETO, Xisto Tiago Medeiros. O dano moral coletivo e o valor da sua reparação. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 78, n. 4, p. 288-304, 2012.


NETO, Xisto Tiago Medeiros. Dano moral coletivo. São Paulo: LTr. 2012.


SERPA, Luciane. A tutela dos direitos individuais homogêneos: novos desafios. REVISTA DA ESCOLA SUPERIOR DA PGE-SP, v. 7, n. 1, p. 415-444, 2016.


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Esse artigo pode ser utilizado parcialmente em livros ou trabalhos acadêmicos, desde que citado a fonte e autor(es).



Como citar esse artigo:


SANTOS, Mariana Bortolini Estevinho dos; SANTIAGO, Vanessa Aparecida Costa. Os desafios na reparação de danos coletivos em casos de lesão a direitos individuais homogêneos. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 3, n. 1, 2023; p. 112-125. ISBN: 978-65-85898-05-8 | D.O.I: http://doi.org/10.59283/ebk-978-65-85898-05-8


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