PROTEÇÃO MIOCÁRDICA EM CIRURGIA CARDÍACA: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE AS CARDIOPLEGIAS DA ATUALIDADE
- Alenilda Francisca de Lima Lopes
- há 4 dias
- 16 min de leitura
MYOCARDIAL PROTECTION IN CARDIAC SURGERY: A LITERATURE REVIEW OF CURRENT CARDIOPLEGIC STRATEGIES
Informações Básicas
Revista Qualyacademics v.3, n.2
ISSN: 2965976-0
Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).
Recebido em: 11/11/2025
Aceito em: 12/11/2025
Revisado em: 12/11/2025
Processado em: 13/11/2025
Publicado em: 13/11/2025
Categoria do artigo: Estudo de Revisão
Como citar esse material:
SOUZA, Marcelly Machado Nunes de. Proteção miocárdica em cirurgia cardíaca: uma revisão bibliográfica sobre as cardioplegias da atualidade. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.3, n.1, 2025; p. 774-788. ISSN 2965976-0 | D.O.I.:
Autora:
Marcelly Machado Nunes de Souza
https://orcid.org/0009-0004-4466-1537 - Pós-graduanda em circulação extracorpórea e assistência circulatória mecânica pelo Instituto Nacional de Cardiologia - INC, Especialista em ECMO Adulto pela ELSO. Bacharel em Enfermagem pela UNESA. – Contato: marcellymns@yahoo.com.br
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RESUMO
A proteção miocárdica permanece um dos elementos mais determinantes para o sucesso da cirurgia cardíaca, considerando que a lesão isquêmica e a reperfusão continuam associadas a complicações relevantes no pós-operatório. Diante do aumento da complexidade dos procedimentos e da diversidade de protocolos utilizados, tornou-se necessário revisar criticamente as principais soluções cardioplégicas atualmente empregadas. O objetivo deste estudo foi analisar comparações contemporâneas entre cardioplegias sanguíneas, cristalóides e de dose única, ressaltando seus fundamentos, vantagens operatórias e desempenho clínico. Para isso, realizou-se uma revisão bibliográfica narrativa baseada em estudos publicados entre 2013 e 2025, incluindo ensaios clínicos, coortes e meta-análises. A síntese dos resultados evidenciou que não existe uma solução universalmente superior; em vez disso, observou-se equivalência geral entre as estratégias disponíveis, com variações dependentes do tipo de cirurgia, do tempo de isquemia e da fisiologia ventricular. Conclui-se que a individualização da cardioplegia, aliada a protocolos institucionais consistentes, representa a abordagem mais eficaz para otimizar a proteção miocárdica e os desfechos clínicos.
Palavras-chave: Cardioplegia; Proteção miocárdica; Cirurgia cardíaca; Del Nido; HTK/ Custodiol.
ABSTRACT
Myocardial protection remains one of the most decisive elements for the success of cardiac surgery, given that ischemic injury and reperfusion continue to be associated with significant postoperative complications. In light of the increasing complexity of surgical procedures and the diversity of protocols employed, it has become necessary to critically review the main cardioplegic solutions currently in use. The objective of this study was to analyze contemporary comparisons between blood-based, crystalloid, and single-dose cardioplegias, highlighting their principles, operative advantages, and clinical performance. To this end, a narrative literature review was conducted based on studies published between 2013 and 2025, including clinical trials, cohort studies, and meta-analyses.The synthesis of findings showed that no universally superior solution exists; instead, a general equivalence was observed among the available strategies, with variations depending on the type of surgery, ischemia time, and ventricular physiology. It is concluded that the individualization of cardioplegia, combined with consistent institutional protocols, represents the most effective approach to optimizing myocardial protection and clinical outcomes.
Keywords: Cardioplegia; Myocardial protection; Cardiac surgery; Del Nido; HTK/Custodiol.
1. INTRODUÇÃO
A proteção miocárdica representa um dos elementos centrais da cirurgia cardíaca moderna, sobretudo em procedimentos realizados com circulação extracorpórea. Durante o pinçamento aórtico, o miocárdio é submetido a um período de interrupção completa do fluxo sanguíneo, levando à rápida redução do aporte de oxigênio e substratos energéticos essenciais. Esse processo desencadeia uma cascata de alterações metabólicas que, se não controladas, resultam em lesão celular, disfunção ventricular e pior prognóstico pós-operatório. Diversos autores apontam que a combinação de isquemia seguida de reperfusão constitui o principal determinante da injúria miocárdica nesses procedimentos (CHIARI et al., 2024; ZHOU et al., 2022).
A cardioplegia, enquanto técnica destinada a induzir parada cardíaca eletromecânica controlada, tem papel fundamental na minimização desses danos. Seu desenvolvimento histórico, desde as formulações cristalóides clássicas até as modernas soluções sanguíneas ou de dose única, reflete a busca constante por métodos mais eficazes de preservação tecidual. Pesquisas recentes demonstram que a escolha da estratégia cardioplégica – incluindo composição, temperatura, via de administração e frequência de redose – pode influenciar diretamente o desempenho metabólico do miocárdio e os desfechos clínicos do paciente (FRESILLI et al., 2023; MISRA et al., 2021).
Nos últimos anos, soluções como Del Nido e HTK/Custodiol vêm ganhando destaque na prática adulta, impulsionadas por sua praticidade e pela possibilidade de reduzir intervenções durante o ato cirúrgico. No entanto, revisões comparativas mostram que os resultados são heterogêneos e podem variar conforme o tipo de cirurgia, o tempo de isquemia miocárdica e a condição estrutural do ventrículo (ZHAI et al., 2023; SEN et al., 2022).
Essa diversidade de achados evidencia que, apesar dos avanços, não há consenso na literatura sobre a superioridade absoluta de uma solução cardioplégica em todos os cenários clínicos.
Além disso, a ampliação do uso de técnicas minimamente invasivas, a complexidade crescente das cirurgias e a variabilidade entre protocolos institucionais reforçam a necessidade de revisões atualizadas que auxiliem profissionais – especialmente perfusionistas e cirurgiões – na tomada de decisões fundamentadas. A literatura recente ressalta que fatores como logística intraoperatória, experiência da equipe e adequação ao perfil do paciente são determinantes tanto quanto a composição química da solução cardioplégica (PADAK et al., 2025; PUTRO et al., 2022).
Nesse contexto, justifica-se a presente revisão bibliográfica, cujo propósito é sintetizar criticamente as principais evidências atuais sobre cardioplegias empregadas em adultos , destacando fundamentos fisiológicos, vantagens, limitações e tendências emergentes. Busca-se, assim, oferecer um panorama abrangente que contribua para a qualificação da prática perfusional e para a padronização de estratégias institucionais mais seguras e eficazes na proteção miocárdica.
2. METODOLOGIA
A metodologia deste estudo se fundamentou em uma revisão bibliográfica narrativa com abordagem qualitativa, focada em cardioplegias utilizadas em adultos submetidos à cirurgia cardíaca. A opção por revisão narrativa deve-se à heterogeneidade clínica e metodológica dos estudos disponíveis — tipos de procedimento, soluções, temperaturas, vias e protocolos — o que inviabiliza uma síntese quantitativa única sem comprometer a comparabilidade (ZHOU et al., 2022; ZHAI et al., 2023).
A revisão foi conduzida por meio de uma busca sistemática nas principais bases de dados acadêmicas, como PubMed/MEDLINE, SciELO e Google Scholar, complementada por pesquisa manual nas listas de referências dos artigos elegíveis. As ferramentas de coleta de dados incluíram descritores controlados e livres em português e inglês: “cardioplegia”; “myocardial protection”; “cirurgia cardíaca”; “cardiac surgery”; “Del Nido”; “HTK/Custodiol”; “cardioplegia sanguínea”; “blood cardioplegia”; “isquemia-reperfusão”; “ischemia-reperfusion”; “sangue quente”; “warm blood”; “sangue frio”; “cold blood”; “St. Thomas”, fazendo uso de operadores booleanos para refinar e combinar os termos de busca.
A estratégia de busca priorizou o período de 2013 a 2025, alinhado à produção contemporânea que compara soluções atuais (FRESILLI et al., 2023; MISRA et al., 2021). Foram incluídos estudos com população adulta em cirurgia cardíaca com pinçamento aórtico, ensaios clínicos, estudos observacionais comparativos, revisões sistemáticas e meta-análises, comparações entre soluções (Del Nido, HTK/Custodiol, sangue frio, St. Thomas) e/ou estratégias (fria vs. morna; anterógrada vs. retrógrada), além de desfechos clínicos e/ou bioquímicos (troponina, CK-MB, suporte inotrópico, tempo de CEC e clampagem, arritmias, mortalidade).
Após a busca inicial, os artigos foram selecionados por meio de um processo de triagem. Primeiramente, realizou-se uma análise dos títulos e resumos para identificar a relevância para o tema proposto. Em seguida, os artigos selecionados foram lidos na íntegra para avaliar sua adequação aos critérios de inclusão.
Dada a heterogeneidade dos desenhos, intervenções e desfechos, optou-se pela análise dos dados por meio de uma revisão narrativa, estruturada por eixos comparativos: (a) Del Nido vs. sangue frio; (b) HTK vs. sangue frio; (c) sangue morno vs. frio; (d) implicações operacionais (intervalo entre redoses, tempos de CEC e clampagem). Sempre que disponíveis, métricas de efeito (diferença de médias, razão de risco) foram descritas textualmente conforme o estudo primário, sem combinar estatisticamente os resultados. A interpretação privilegiou coerência clínica — marcadores de lesão vs. desfechos duros — reconhecendo inconsistências entre trabalhos (FRESILLI et al., 2023; ZHAI et al., 2023; KOT et al., 2021).
Por tratar-se de revisão de literatura, não houve necessidade de submissão ética. Não foi realizado registro prévio de protocolo, o que constitui limitação reconhecida. Outras limitações metodológicas incluem a possibilidade de viés de publicação; variação terminológica entre estudos (definições de “dose única”, “tepid”, “warm”); inconsistência na mensuração e no tempo de coleta de biomarcadores; e dificuldade em isolar o efeito da solução cardioplégica de outros elementos do cuidado perioperatório (técnica cirúrgica, anestesia, perfusão). Tais aspectos foram considerados na interpretação prudente dos resultados (VIVACQUA et al., 2020; SEN et al., 2022).
3. REVISÃO DE LITERATURA
A cardioproteção miocárdica desempenha papel essencial na cirurgia cardíaca, uma vez que a interrupção do fluxo coronariano durante o pinçamento aórtico induz isquemia global, predispondo a alterações metabólicas, elétricas e estruturais relevantes. A literatura destaca que a cardioplegia, ao promover parada eletromecânica controlada, reduz o consumo de oxigênio e minimiza os danos decorrentes tanto da isquemia quanto da reperfusão subsequente (CHIARI et al., 2024; ZHOU et al., 2022). A seguir, são apresentados os principais avanços, comparações e debates baseados nos estudos selecionados.
3.1 FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA CARDIOPROTEÇÃO MIOCÁRDICA
Diversos autores descrevem que a lesão de isquemia-reperfusão envolve aumento da sobrecarga de cálcio intracelular, formação de radicais livres, disfunção mitocondrial, apoptose e inflamação, reforçando a importância de estratégias protetoras adequadas (ZHAI et al., 2023; MISRA et al., 2021). As soluções cardioplégicas têm por objetivo interromper a atividade elétrica, estabilizar a membrana celular, modular eletrólitos, reduzir o metabolismo e proteger estruturas subcelulares. A compreensão dessas bases fisiológicas permitiu o desenvolvimento de soluções mais sofisticadas, com combinações apropriadas de íons, tampões, agentes estabilizadores e controle de temperatura.
3.2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA E SURGIMENTO DAS CARDIOPLEGIAS MODERNAS
As soluções cristalóides clássicas — entre elas St. Thomas I e II — marcaram o início da cardioplegia moderna, promovendo parada diastólica por hiperpotassemia. Todavia, sua necessidade de redoses frequentes motivou a busca por alternativas com maior durabilidade e estabilidade metabólica (EDELMAN et al., 2013; VIANA et al., 2013). O avanço seguinte envolveu a introdução das cardioplegias sanguíneas, cuja maior proximidade bioquímica com o sangue humano resultou em melhor manutenção do pH, maior transporte de oxigênio residual e redução da hemodiluição (VIVACQUA et al., 2020).
O interesse recente, porém, recai sobre soluções de dose única — principalmente HTK/Custodiol e Del Nido — que reduziram a interrupção do procedimento cirúrgico e se mostraram particularmente úteis em abordagens minimamente invasivas e cirurgias complexas de longa duração (FRESILLI et al., 2023; ZHAI et al., 2023).
3.3. CARDIOPLEGIA DEL NIDO EM ADULTOS: BENEFÍCIOS, LIMITES E EVIDÊNCIAS ATUAIS
Inicialmente concebida para o cenário pediátrico, a Del Nido tem sido amplamente empregada em adultos devido à possibilidade de intervalos longos entre doses (60–90 minutos), ao menor tempo de manipulação e ao potencial de proteção metabólica. Meta-análises recentes demonstram que a Del Nido apresenta níveis semelhantes ou menores de marcadores de lesão miocárdica, como troponina e CK-MB, quando comparada às cardioplegias sanguíneas tradicionais (FRESILLI et al., 2023; MISRA et al., 2021). Além disso, muitos estudos relatam menor tempo de CEC e de pinçamento aórtico devido à redução de redoses (UCAK et al., 2020; SZPYTMA et al., 2024).
Entretanto, análises mais recentes sugerem que sua eficácia pode variar conforme a massa ventricular, a complexidade do procedimento e o tempo prolongado de isquemia, indicando que a solução não é universalmente ideal (KIM et al., 2023; NAJMUDDIN et al., 2025). Por isso, alguns autores recomendam cautela em casos de ventrículos hipertrofiados ou clampeamentos acima de 120 minutos.
3.4. HTK/CUSTODIOL: PROPRIEDADES, APLICABILIDADES E COMPARAÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O Custodiol-HTK (Histidine-Tryptophan-Ketoglutarate) destaca-se por sua baixa viscosidade, baixa concentração de sódio, capacidade de tamponamento aprimorada e bom comportamento em cirurgias de longa duração. Tais características o tornam particularmente atrativo em procedimentos complexos, incluindo reoperações, transplantes e técnicas minimamente invasivas prolongadas (GATTI et al., 2020).
Alguns estudos apontam, entretanto, que o HTK pode apresentar liberações enzimáticas discretamente superiores quando comparado a soluções sanguíneas, possivelmente devido à hemodiluição e à composição sem elementos celulares (SEN et al., 2022; PIZANO et al., 2018). Contudo, tais diferenças não se traduzem em piores desfechos clínicos, conforme observado em coortes maiores e estudos comparativos (VIVACQUA et al., 2020; VIANA et al., 2013). O consenso emergente é que o HTK é seguro e eficaz, embora demande maior compreensão por parte da equipe de perfusão devido ao volume administrado e à necessidade de evitar hemodiluição excessiva.
3.5. CARDIOPLEGIA SANGUÍNEA: FRIA, TÉPIDA E MORNA — CONTROVÉRSIAS E ACHADOS RECENTES
A cardioplegia sanguínea, seja fria, tépida ou morna, continua amplamente utilizada. A temperatura permanece uma das maiores controvérsias na literatura. Estudos indicam que a cardioplegia morna oferece vantagens metabólicas, como manutenção mais próxima da atividade enzimática fisiológica e menor resistência coronariana, enquanto a fria prolonga a tolerância à isquemia (KOT et al., 2021). No entanto, meta-análises recentes não identificam superioridade clínica consistente de uma modalidade sobre a outra em termos de mortalidade, arritmias ou insuficiência ventricular (NARDI et al., 2025). Esses resultados sugerem que o impacto da temperatura pode depender muito mais do contexto cirúrgico e da estratégia global de perfusão do que da solução em si.
3.6. COMPARAÇÕES DIRETAS E SÍNTESES CRÍTICAS DA LITERATURA
Diversas revisões sistemáticas e meta-análises recentes, incluindo análises de rede, reforçam que não há solução cardioplégica universalmente superior. É recorrente a observação de que os resultados variam conforme a complexidade cirúrgica. A solução ideal depende da fisiologia ventricular, e escolhas operacionais influenciam tanto quanto a composição química da solução (PADAK et al., 2025; PUTRO et al., 2022).
A heterogeneidade entre estudos indica que desfechos bioquímicos nem sempre se correlacionam diretamente com desfechos clínicos relevantes, apontando para a multifatorialidade na proteção miocárdica. Além disso, autores destacam que fatores extra-solução — como pressão de perfusão, temperatura sistêmica, hemodiluição, monitorização metabólica e experiência da equipe de perfusão — também desempenham papel fundamental (UCAK et al., 2020; VIVACQUA et al., 2020).
4. DISCUSSÃO
Foram analisados 25 estudos publicados entre 2013 e 2025, contemplando meta-análises e revisões sistemáticas, coortes comparativas e ensaios clínicos. Houve predominância de comparações entre Del Nido vs. sangue frio, HTK/Custodiol vs. sangue frio e sangue morno/tepid vs. frio. Apareceram ainda análises em subgrupos (reoperações, clampeamentos prolongados e ventrículos hipertrofiados) (FRESILLI et al., 2023; ZHAI et al., 2023; KOT et al., 2021; GATTI et al., 2020; VIVACQUA et al., 2020; PADAK et al., 2025; PUTRO et al., 2022).
A partir da análise dos estudos selecionados foi possível identificar que a cardioplegia Del Nido apresentou perfis não inferiores e, em parte dos estudos, discretamente favoráveis para troponina e CK-MB quando comparada à cardioplegia sanguínea convencional, sobretudo em tempos de isquemia moderados e em procedimentos de complexidade intermediária (FRESILLI et al., 2023; MISRA et al., 2021; ZHAI et al., 2023). Para cardioplegia HTK/Custodiol, observou-se tendência a níveis enzimáticos ligeiramente maiores em cenários específicos, sem tradução consistente em piores desfechos clínicos (SEN et al., 2022; PIZANO et al., 2018; GATTI et al., 2020). A literatura sugere que a temperatura modula marcadores bioquímicos, mas diferenças não se mantêm de forma robusta nos desfechos clínicos (KOT et al., 2021; NARDI et al., 2025).
Com base na análise dos estudos selecionados não foi demonstrada superioridade universal de nenhuma solução quanto a mortalidade hospitalar/30 dias, necessidade de suporte inotrópico ou arritmias clinicamente relevantes, quando comparações ajustadas foram realizadas (ZHOU et al., 2022; PADAK et al., 2025). A cardioplegia Del Nido mostrou equivalência clínica e, em alguns cenários, redução de desfibrilação pós-desclampeamento e uso de aminas; a cardioplegia HTK manteve segurança global, inclusive em cirurgias complexas, sem piora consistente em eventos maiores (VIVACQUA et al., 2020; UCak et al., 2020; SZPYTMA et al., 2024; VIANA et al., 2013).
Avaliando a eficiência operatória e logística intraoperatória, a redução de redoses com Del Nido foi um dos achados mais consistentes, associada a maior fluidez do ato operatório e menores interrupções, com relatos de redução discreta de tempo de CEC e de clampeamento em parte dos estudos (FRESILLI et al., 2023; UCak et al., 2020; ZHAI et al., 2023). No HTK, a vantagem operatória é a durabilidade da dose única em clampeamentos longos, contrabalançada pela hemodiluição e necessidade de gestão acurada de volume (GATTI et al., 2020; SEN et al., 2022). Em serviços com protocolos maduros, a logística tendeu a neutralizar diferenças operacionais entre soluções (WHITTAKER et al., 2021; BRZESKA et al., 2023).
Os estudos revisados apontaram diferenças metabólicas esperadas quanto às comparações morno vs. frio (maior “fisiologia” com sangue morno), mas sem superioridade clínica consistente em desfechos de maior relevância; benefícios pontuais foram descritos em subgrupos de revascularização e estratégias específicas de proteção (KOT et al., 2021; NARDI et al., 2025). Estudos mais antigos e revisões contemporâneas mantêm a incerteza quanto à melhor temperatura em termos de desfechos duros (EDELMAN et al., 2013; ZHOU et al., 2022).
Em relação à via de administração e cenários anatômicos, a via anteógrada permaneceu dominante, com uso retrógrado em anatomias complexas ou perfusão coronariana comprometida. As meta-análises enfatizam que técnica e contexto (p. ex., revascularização múltipla, valvares combinados) pesam tanto quanto a composição da solução na efetividade final (ZHOU et al., 2022; PADAK et al., 2025). Em abordagens minimamente invasivas, a dose única (Del Nido ou HTK) foi frequentemente preferida pela simplificação logística (ZHAI et al., 2023; VIVACQUA et al., 2020).
A avaliação dos subgrupos clínicos e variáveis moderadoras mostrou que, em ventrículo hipertrofiado/massa aumentada, resultados com Del Nido permanecem adequados, porém com maior variabilidade dos marcadores de lesão; alguns autores sugerem redoses mais precoces em isquemias prolongadas (KIM et al., 2023; SZPYTMA et al., 2024). Em clampeamentos prolongados (>90–120 min), o HTK apresentou desempenho estável, confirmando indicação clássica; já a Del Nido manteve proteção, porém com maior necessidade de estratégias de reforço conforme o tempo (VIVACQUA et al., 2020; GATTI et al., 2020; FRESILLI et al., 2023). Em reoperações e procedimentos complexos, ambas as soluções de dose única reduziram manipulação; a escolha recaiu sobre familiaridade institucional e controle de hemodiluição (SEN et al., 2022; PIZANO et al., 2018). Na revascularização isolada vs. valvares/combinações, foram vistas tendências favoráveis à praticidade da dose única na revascularização isolada e em MVAs com tempos previsíveis de isquemia e equivalência em desfechos clínicos (PUTRO et al., 2022; PADAK et al., 2025).
Avaliando a segurança, eventos adversos e complicações, não houve sinal consistente de aumento de lesão miocárdica clinicamente relevante, arritmias malignas ou mortalidade com Del Nido ou HTK em comparação ao sangue frio, quando controlados fatores de confusão (ZHOU et al., 2022; PADAK et al., 2025). Em HTK, a hemodiluição demandou atenção; em Del Nido, monitoramento do intervalo de dose e do potássio foi reiterado como boas práticas (GATTI et al., 2020; UCak et al., 2020).
5. CONCLUSÃO
A síntese crítica dos estudos analisados demonstra, com grau consistente de convergência, que não existe uma solução cardioplégica universalmente superior para todas as situações clínicas. Em vez disso, os resultados apontam para um equilíbrio de benefícios e compromissos entre as modalidades mais empregadas — Del Nido, HTK/Custodiol e sangue (frio, tépido ou morno) — cuja eficácia depende do contexto operatório, da fisiologia ventricular, do tempo previsto de isquemia e, crucialmente, da maturidade dos protocolos institucionaise da experiência da equipe. Essa constatação reforça um paradigma de individualização da cardioproteção, no qual a solução escolhida é parte de uma estratégia integrada que envolve temperatura sistêmica, pressão/perfil de perfusão, correção eletrolítica, manejo de hemodiluição, intervalos de redose e monitorização metabólica.
Do ponto de vista operacional, a Del Nido destaca-se pela praticidade e redução de interrupções intraoperatórias, favorecendo fluidez do ato cirúrgico e, em diversos cenários,e com perfil bioquímico não inferior. Contudo, sua aplicação deve considerar ventrículos hipertrofiados e clampeamentos muito prolongados, em que ajustes de dose e vigilância do intervalo podem ser necessários. O HTK/Custodiol confirma utilidade em procedimentos extensos e complexos pela durabilidade da proteção, exigindo contrapartida no controle rigoroso da hemodiluição e do volume infundido. A cardioplegia sanguínea mantém robustez histórica e grande margem de segurança; a controvérsia sobre temperatura permanece sem superioridade clínica inequívoca, sugerindo que a decisão deve considerar metas metabólicas, tipo de procedimento e capacidade logística do serviço.
A análise integrada dos desfechos “duros” (mortalidade, arritmias clinicamente relevantes, necessidade de inotrópicos) e dos marcadores bioquímicos indica equivalência clínica global entre as principais alternativas quando corretamente indicadas e executadas. Essa equivalência não implica indiferença: ela exige planejamento e governança clínica, com protocolos claros, auditoria contínua, indicadores de desempenho (tempo de CEC/clamp, marcadores de lesão, complicações) e ciclos de melhoria que incorporem feedback multiprofissional (cirurgia, anestesia, perfusão, terapia intensiva). Nessa perspectiva, a qualidade do processo (adesão a protocolos, consistência técnica, monitorização intraoperatória) emerge como determinante tão relevante quanto a composição da solução.
No plano científico, a presente revisão evidencia lacunas persistentes: heterogeneidade metodológica, misturas de desenhos (observacionais e ensaios), variações de dose/composição e desfechos reportados de maneira não uniforme. Para reduzir incertezas, recomenda-se a condução de ensaios clínicos randomizados, multicêntricos, com padrões mínimos de reporte (protocolos de dose/temperatura, tempos de coleta de troponina/CK-MB, definições uniformes de arritmias e suporte inotrópico) e seguimento clínico funcional além do período hospitalar. Estudos que estratifiquem por massa ventricular, tipo de cirurgia (revascularização isolada, valvares, procedimentos combinados), tempo de isquemia e estratégias minimamente invasivas serão especialmente informativos.
Como implicação prática, recomenda-se que cada instituição: mapeie seu mix cirúrgico e sua capacidade logística; defina uma “matriz de decisão” para escolha de cardioplegia por cenário (ex.: dose única para clampeamentos previstos longos/minimamente invasivos; sangue frio em situações que demandem controle eletrolítico mais freqüente; ajustes de Del Nido em ventrículos hipertrofiados); estruture treinamento e simulações para a equipe de perfusão e cirurgia; e implemente monitorização sistemática de resultados com benchmarks internos e, quando possível, externos. Do ponto de vista do perfusionista, reforça-se a necessidade de vigilância ativa de potássio, cálcio, acidose, viscosidade/hematócrito e balanço hídrico, especialmente quando se utilizam soluções de dose única ou estratégias com risco de hemodiluição.
Em termos conceituais, os achados sustentam uma conclusão central: a cardioproteção efetiva é um produto da interação entre solução, técnica e sistema de cuidado. Ao privilegiar a individualização baseada em evidências, padronização prudente e cultura de melhoria contínua, os serviços podem otimizar desfechos, reduzir variabilidade indesejada e promover segurança. Nesse caminho, o avanço dependerá menos da busca por um “padrão-ouro” universal e mais da maturidade em implementar o melhor “ajuste fino” para cada paciente e cada procedimento, sustentado por evidência atualizada e desempenho institucional mensurável.
A numeração acima é fictícia. Ela deverá seguir a sequência. É recomendável que o autor expresse sua contribuição reflexiva (de cunho pessoal) e/ou verse sobre as perspectivas acerca do estudo realizado. Evitar usar referências, pois é fundamental expressar a opinião dos autores, com o devido embasamento científico.
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SOUZA, Marcelly Machado Nunes de. Proteção miocárdica em cirurgia cardíaca: uma revisão bibliográfica sobre as cardioplegias da atualidade. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.3, n.1, 2025; p. 774-788. ISSN 2965976-0 | D.O.I.:
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