ESTRATÉGIAS PARA OTIMIZAÇÃO DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA EM CIRURGIAS CARDÍACAS DE PACIENTES TESTEMUNHAS DE JEOVÁ
- Thalita Limeira dos Santos
- 31 de mar.
- 15 min de leitura
Atualizado: 2 de abr.
STRATEGIES FOR OPTIMIZING EXTRACORPOREAL CIRCULATION IN CARDIAC SURGERIES IN JEHOVAH'S WITNESS PATIENTS
Informações Básicas
Revista Qualyacademics v.3, n.1
ISSN: 2965976-0
Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).
Recebido em: 13/03/2025
Aceito em: 14/03/2025
Revisado em: 26/03/2025
Processado em: 29/03/2025
Publicado em: 31/03/2025
Categoria: Estudo de Revisão
Como citar esse material:
SANTOS, Thalita Limeira dos; SILVA FILHO, José Benigno Pereira da; CASA NOVA, Rafaela Mourão Redon Fernandes; MARTINS, Vera Lúcia Gomes. Estratégias para otimização da circulação extracorpórea em cirurgias cardíacas de pacientes Testemunhas de Jeová. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.3, n.1, 2025; p. 211-224. ISSN 2965976-0 | D.O.I.: doi.org/10.59283/unisv.v3n1.013
Autores(as):
Thalita Limeira dos Santos
Bacharel em Biomedicina pela UNIRIO. Pós-graduada em Circulação extracorpórea e assistência circulatória mecânica pelo Instituto Nacional de Cardiologia. - Contato: thalita.limeira.01@gmail.com
José Benigno Pereira da Silva Filho
Graduado em Enfermagem e Obstetrícia pela UNIRIO. Especialista em Circulação Extracorpórea pela SBCEC. Certificado Perfusionista Clínico ALAP (Associação Latino-Americana de Perfusão). Coordenação da Perfusão no IECAC; Hospital Santa Teresa em Petrópolis e Hospital São Lucas em Friburgo. - Contato: jbpsfilho@yahoo.com.br
Rafaela Mourão Redon Fernandes Casa Nova
Graduada em enfermagem pela Faculdade Luiza de Marillac. Titulada perfusionista pela SBCEC. Especialista em ECMO pela ELSO. Perfusionista Hospitais HUPE E HUCFF. – Contato: rafaela_mourao@yahoo.com.br
Vera Lúcia Gomes Martins
Graduada em fisioterapia pela faculdade FRASE. Especialista em Circulação Extracorpórea pela SBCEC. Especialista em ECMO Adulto e Pediátrico pela ELSO. – Contato: vera_chico@yahoo.com.br
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RESUMO
A realização de cirurgias cardíacas em pacientes Testemunhas de Jeová apresenta desafios únicos devido à recusa de transfusões de sangue alogênico, fundamentada em crenças religiosas. A circulação extracorpórea (CEC) utilizada em cirurgias cardíacas pode levar a significativa hemodiluição e perda sanguínea, tornando essencial o desenvolvimento de estratégias para minimizar esses efeitos, a fim de excluir a necessidade de transfusão e garantir a segurança do paciente. Este artigo revisa estratégias para otimizar a CEC nesse grupo de pacientes, destacando avanços tecnológicos, técnicas perioperatórias e cuidados multidisciplinares. As abordagens incluem a minimização dos circuitos para um baixo volume de priming, hemodiluição restritiva, a utilização dos sistemas de ultrafiltração, recuperação intraoperatória de sangue, autotransfusão e uso de agentes farmacológicos que minimizam o risco de sangramento. As pesquisas foram feitas nas plataformas médicas PubMed, Scopus, Web of Science e Cochrane Library no período de 2015 a 2024 e reafirmaram que é possível promover desfechos seguros e éticos para pacientes que optam por essa abordagem.
Palavras-chave: Circulação extracorpórea; Testemunhas de Jeová; Cirurgia cardíaca; Hemotransfusão.
ABSTRACT
Performing cardiac surgery in Jehovah's Witness patients presents unique challenges due to their religiously based refusal of allogeneic blood transfusions. Cardiopulmonary bypass (CPB) used in cardiac surgery can lead to significant hemodilution and blood loss, making it essential to develop strategies to minimize these effects in order to preclude the need for transfusion and ensure patient safety. This article reviews strategies to optimize CPB in this patient group, highlighting technological advances, perioperative techniques, and multidisciplinary care. Approaches include circuit minimization for low priming volume, restrictive hemodilution, use of ultrafiltration systems, intraoperative blood salvage, autotransfusion, and use of pharmacologic agents that minimize the risk of bleeding. The research was conducted on the medical platforms PubMed, Scopus, Web of Science and Cochrane Library between 2015 and 2024 and reaffirmed that it is possible to promote safe and ethical outcomes for patients who opt for this approach.
Keywords: Extracorporeal circulation; Jehovah's Witnesses; Cardiac surgery; Blood transfusion
1. INTRODUÇÃO
As cirurgias cardíacas estão entre as mais realizadas no mundo, destacando-se por ser uma das áreas mais exploradas e com maior evolução. Elas são indicadas quando a probabilidade de uma vida útil é maior com o tratamento cirúrgico do que com o tratamento clínico. Durante esses procedimentos, alguns métodos de assistência circulatória podem ser utilizados, dentre eles, destaca-se a Circulação Extracorpórea (CEC).
A Circulação Extracorpórea é um procedimento de alta complexidade que representa um marco para o início da fase moderna na cirurgia cardíaca. A CEC engloba um conjunto de máquinas e aparelhos que, associados às técnicas operacionais, substituem temporariamente as funções cardiopulmonares enquanto esses órgãos permanecem excluídos da circulação sistêmica (SOUZA; ELIAS, 2006). Isso permite que o cirurgião opere o coração em um campo seco e parado, sem a presença de sangue.
Esse processo é realizado por uma máquina coração-pulmão, que oxigena o sangue e mantém a perfusão sistêmica. Devido a algumas técnicas utilizadas durante a condução da CEC, ou simplesmente pela necessidade hemodinâmica e metabólica do paciente, transfusões sanguíneas podem ser necessárias, uma vez que esse procedimento pode causar anemia dilucional e perdas sanguíneas consideráveis.
A transfusão sanguínea, seja de hemocomponentes ou de hemoderivados, é uma técnica amplamente empregada em cirurgias, especialmente em casos de anemia pré-operatória e de sangramentos excessivos durante o procedimento. Quando realizada de forma adequada, pode ser benéfica, reduzindo a morbidade e a mortalidade. No entanto, mesmo com indicação precisa e administração correta, a transfusão pode ocasionar diversas complicações agudas e tardias, como a transmissão de agentes infecciosos e outras adversidades clínicas, incluindo reações hemolíticas e alérgicas, sobrecarga volêmica e embolia aérea (BRASIL, 2015).
A comunidade religiosa das Testemunhas de Jeová representa um grupo singular na medicina por sua recusa ao recebimento de sangue transfundido, fundamentada principalmente na citação bíblica de Levítico 17:14: “Porquanto é a vida de toda a carne; o seu sangue é pela sua vida; por isso eu disse aos filhos de Israel: Não comereis o sangue de nenhuma carne, porque a vida de toda a carne é o seu sangue; qualquer que o comer será extirpado” (LOBBEDEZ et al., 2021).
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade que as Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusão de sangue, com base na liberdade religiosa e na autonomia individual.
Esse cenário impõe grandes desafios nas cirurgias cardíacas, particularmente naquelas que requerem circulação extracorpórea. Por conseguinte, é de suma importância que o direito à liberdade religiosa seja garantido por meio da disponibilização de métodos eficazes, alternativos e seguros para a redução da perda sanguínea.
2. REVISÃO DE LITERATURA
A recusa de transfusão por parte das Testemunhas de Jeová engloba uma série de aspectos éticos e jurídicos, além de exigir um planejamento cuidadoso e respeito à autonomia do paciente. A relação médico-paciente é fundamental nesse contexto. É essencial que haja um diálogo claro e devidamente documentado nas discussões pré-operatórias, acompanhado da assinatura de termos de consentimento informado.
Além do componente religioso, sabe-se que, quanto às transfusões sanguíneas, embora haja melhora imediata na oferta de oxigênio, essas intervenções estão associadas a diversas complicações posteriores (WELTERT et al., 2015). Os hemocentros seguem protocolos rigorosos para garantir a segurança das transfusões e minimizar riscos para os receptores. Esses protocolos envolvem desde a triagem dos doadores até a testagem do sangue e sua correta administração ao paciente. No entanto, mesmo com todos os cuidados, nenhuma transfusão de sangue é isenta de riscos.
Quanto aos efeitos adversos das infusões de sangue alogênico, observa-se o aumento das taxas de complicações pulmonares, insuficiência renal, infecções graves, complicações neurológicas e maior tempo de permanência hospitalar, além do aumento da mortalidade (MEHAFFEY et al., 2017).
Esses riscos e efeitos colaterais são os principais motivos pelos quais o uso de sangue heterólogo vem sendo cada vez mais criterioso e pelas quais estratégias do Patient Blood Management (PBM) vêm sendo amplamente adotadas. A proposta central é, sempre que possível, evitar transfusões e adotar métodos alternativos para otimizar o uso do sangue do próprio paciente.
Abaixo estão algumas das principais estratégias para otimizar a CEC nesse grupo de pacientes:
2.1. MINIMIZAÇÃO DOS CIRCUITOS DE CEC PARA UM BAIXO VOLUME DE PRIMING
Todo circuito de CEC (reservatório, oxigenador e tubos) deve ser previamente preenchido com solução coloidal ou cristalóide a fim de eliminar o ar e evitar embolia e hemólise. Isso ocorre porque o contato direto do sangue com o circuito sem fluido de enchimento causa turbulência e choque mecânico.
A adoção de circuitos de menor volume é essencial, especialmente por diminuir a superfície de contato do sangue com superfícies não endoteliais, reduzindo a hemodiluição e, consequentemente, a necessidade de transfusões alogênicas (TAVAREZ et al., 2019). Essa redução é alcançada com a utilização de um circuito básico, eliminando excessos de linhas e conexões desnecessárias e empregando uma membrana de oxigenador que necessite de menor volume para preenchimento.
2.2. HEMODILUIÇÃO RESTRITIVA
Hemodiluição é a adição ou mistura de soluções acelulares ao sangue do paciente, com o objetivo de substituir parte do volume circulante. Nos primórdios da circulação extracorpórea, o sangue era utilizado para o preenchimento do circuito como uma alternativa fisiológica, acreditando-se que preservaria o transporte de oxigênio sem reduzir a pressão oncótica do fluido circulante. No entanto, essa prática provocava estados de choque, acidose metabólica severa, queda de plaquetas e leucócitos, alterações na coagulação, congestão pulmonar, insuficiência renal e disfunção cerebral, além de um alto consumo de sangue homólogo (SOUZA; ELIAS, 2006).
A introdução da hemodiluição teve como principal objetivo diminuir os efeitos adversos da perfusão com sangue. Com o tempo, diversos benefícios do perfusato acelular foram observados, como a redução da viscosidade sanguínea, menor uso de sangue homólogo e derivados, diminuição da resistência vascular periférica, menor ocorrência de hemólise e microbolhas, melhor perfusão tecidual, aumento da diurese durante a perfusão e resfriamento mais uniforme dos pacientes.
Apesar dessas vantagens, o uso de soluções cristalóides no perfusato deve ser criterioso. A estratégia de hemodiluição restritiva busca minimizar a diluição sanguínea durante a CEC, por meio do uso de priming reduzido e soluções balanceadas, mantendo o hematócrito alvo entre 25% e 30%, ajustado conforme o perfil do paciente e a estratégia cirúrgica. Valores muito baixos (<21%) podem comprometer a oxigenação tecidual, enquanto valores elevados (>35%) podem aumentar a viscosidade do sangue e o risco de eventos trombóticos (MURPHY et al., 2022).
2.3. SISTEMAS DE ULTRAFILTRAÇÃO
O hemofiltro é um dispositivo com membrana semipermeável que remove o excesso de água do plasma sanguíneo, auxiliando na redução da sobrecarga hídrica, na concentração do sangue circulante e na eliminação de mediadores inflamatórios.
Durante a CEC, a ultrafiltração convencional (CUF – Conventional Ultrafiltration) é realizada paralelamente ao fluxo sanguíneo e atua no controle da hemodiluição excessiva, concentrando novamente o sangue e prevenindo a hipervolemia, que pode reduzir o hematócrito e prejudicar a perfusão tecidual.
Além disso, a ultrafiltração pode ser utilizada de forma modificada (MUF – Modified Ultrafiltration) após a CEC, antes da remoção completa da cânula arterial. Essa técnica remove líquidos e citocinas pró-inflamatórias diretamente do paciente, sem comprometer o volume sanguíneo efetivo, concentrando as hemácias e reduzindo a resposta inflamatória sistêmica e seus efeitos adversos (CHRISTIAN et al., 2021).
2.4. RECUPERAÇÃO INTRAOPERATÓRIA DE SANGUE
A recuperação intraoperatória de sangue é uma técnica utilizada para minimizar a necessidade de transfusão alogênica durante cirurgias de grande porte. O Cell Saver é uma das tecnologias mais conhecidas e consiste em um dispositivo que coleta, filtra, lava e reinfunde no paciente o seu próprio sangue (SPIEGEL et al., 2022).
O sangue perdido durante o procedimento é aspirado por um sistema de sucção e armazenado em um reservatório com anticoagulante. Em seguida, é centrifugado para separar os glóbulos vermelhos do plasma, plaquetas e resíduos celulares. Após essa etapa, os glóbulos vermelhos são lavados com solução salina, eliminando micropartículas e reduzindo a presença de mediadores inflamatórios. Por fim, o concentrado de hemácias é reinfundido no paciente (transfusão autóloga).
Outra ferramenta que também permite a recuperação autóloga do sangue é o Hemobag. Trata-se de um dispositivo mais simples, focado na coleta e filtração de impurezas, como coágulos e debris celulares, sendo capaz de concentrar o sangue ao remover parte do plasma. Ou seja, ele permite a transfusão de hemácias concentradas e outros componentes celulares, como plaquetas, leucócitos (em menor quantidade) e fatores de coagulação.
O Hemobag é útil principalmente em cirurgias de menor porte ou quando a perda sanguínea está sob controle, enquanto o Cell Saver é mais indicado para cirurgias de maior complexidade, nas quais a recuperação rápida e contínua do sangue é essencial para a estabilidade hemodinâmica do paciente. Ambos os dispositivos desempenham papéis importantes na preservação sanguínea autóloga, sendo mais eficazes em diferentes situações, de acordo com a magnitude da cirurgia e o volume de sangue perdido.
Todo esse processo contribui para a redução da necessidade de hemotransfusão, preservando os níveis de hematócrito e hemoglobina do paciente, prevenindo a anemia e mantendo a perfusão tecidual adequada. Desde que mantido em um circuito contínuo com o corpo, esse método é geralmente aceito pelas Testemunhas de Jeová (FERRARIS et al., 2023).
2.5. AUTOTRANSFUSÃO PRÉ-OPERATÓRIA
A autotransfusão é uma alternativa eficaz para minimizar os riscos e reduzir a necessidade do uso de hemocomponentes doados, contribuindo para uma melhor recuperação do paciente (PAGANO et al., 2020).
Na doação autóloga pré-operatória, o paciente doa seu próprio sangue dias ou semanas antes do procedimento cirúrgico. Esse sangue é armazenado e reinfundido durante ou após a cirurgia (KLEIN et al., 2018).
Trata-se de uma técnica segura e eficaz, especialmente indicada para cirurgias eletivas de grande porte, como as cardíacas. Contudo, o pré-depósito pode não ser viável em pacientes com anemia ou em casos de cirurgias emergenciais.
2.6. USO DE AGENTES FARMACOLÓGICOS
O uso de agentes farmacológicos para a preservação sanguínea é uma estratégia fundamental na otimização da circulação extracorpórea em pacientes Testemunhas de Jeová, auxiliando na minimização de perdas sanguíneas, no aprimoramento da coagulação e na estimulação da eritropoiese sem a necessidade de transfusão alogênica.
No pré-operatório, é recomendável estimular a eritropoiese para aumentar a reserva eritrocitária do paciente ou corrigir eventuais casos de anemia. A eritropoetina, um hormônio produzido pelos rins, estimula a produção de hemácias na medula óssea, podendo elevar significativamente os níveis de hemoglobina antes da cirurgia.
Essa intervenção deve estar associada à administração de ferro, elemento essencial para a produção de hemoglobina. Além disso, a vitamina B12 e o ácido fólico são cofatores fundamentais no processo de eritropoiese (SPIEGEL et al., 2022).
Adicionalmente, sabe-se que a circulação extracorpórea provoca ativação da cascata inflamatória e da fibrinólise, resultando em um estado de hipercoagulabilidade e aumento do risco de sangramento intra e pós-operatório. Esse processo decorre do contato do sangue com superfícies não endoteliais, da hemodiluição dos fatores de coagulação e da reversão da heparina com protamina, que pode desencadear um efeito rebote fibrinolítico.
A hemostasia eficiente é, portanto, de suma importância para reduzir esse sangramento. A administração de agentes antifibrinolíticos, como o ácido tranexâmico, ajuda a controlar esse processo, diminuindo a fibrinólise excessiva e estabilizando a coagulação (FERRARIS et al., 2023).
3. METODOLOGIA
Este estudo foi conduzido como uma revisão narrativa da literatura, baseada na análise de artigos científicos publicados sobre estratégias de otimização da circulação extracorpórea em pacientes Testemunhas de Jeová. O objetivo foi identificar as principais abordagens utilizadas para minimizar a perda sanguínea e evitar a necessidade de transfusão alogênica durante cirurgias cardíacas.
O levantamento dos artigos foi realizado por meio de uma busca sistemática nas principais bases de dados bibliográficos, incluindo PubMed, Scopus, Web of Science e Cochrane Library. Os descritores utilizados incluíram: “circulação extracorpórea”, “cirurgia cardíaca”, “hemotransfusão”, “Cell Saver”, “eritropoetina”, “ácido tranexâmico”, “hemodiluição” e “ultrafiltração”.
Foram analisados artigos publicados entre 2015 e 2024, com prioridade para estudos clínicos, revisões sistemáticas e metanálises. Foram incluídos estudos que abordassem estratégias para a redução da hemodiluição na CEC, uso de ultrafiltração e recuperação intraoperatória do sangue, aplicação de agentes farmacológicos para preservação sanguínea e resultados clínicos de pacientes Testemunhas de Jeová submetidos à cirurgia cardíaca sem transfusão.
Foram excluídos estudos que não mencionavam especificamente as Testemunhas de Jeová, artigos com amostras muito pequenas ou sem metodologia clara, além de relatos de caso isolados sem dados generalizáveis.
Esses artigos foram analisados e comparados com o intuito de identificar as abordagens mais eficazes no manejo desses pacientes.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
No início, a circulação extracorpórea era limitada à oxigenação e ao bombeamento do sangue por períodos curtos, suficientes apenas para a realização das cirurgias mais simples. Os equipamentos eram construídos de forma artesanal e as técnicas ainda rudimentares. Procedimentos de maior porte frequentemente se acompanhavam de grandes complicações, muitas vezes irreversíveis.
A CEC moderna apresenta a vantagem de substituir as funções do coração e dos pulmões, preservando simultaneamente a integridade celular, a estrutura, a função e o metabolismo dos órgãos e sistemas do indivíduo, enquanto operações mais complexas e prolongadas são realizadas pela equipe cirúrgica (SOUZA; ELIAS, 2006).
Atualmente, com os avanços das pesquisas e a implementação das estratégias abordadas neste artigo, estudos mostram que a realização segura de cirurgias cardíacas sem transfusão é possível, respeitando as crenças das Testemunhas de Jeová e reduzindo complicações associadas à hemotransfusão (KLEIN et al., 2022).
Um estudo conduzido por Murphy et al. (2022) evidenciou que a taxa de complicações em pacientes submetidos à CEC sem transfusão foi significativamente semelhante à daqueles que receberam transfusões, desde que estratégias de preservação sanguínea, como hemodiluição minimizada, recuperação intraoperatória de sangue e uso de agentes farmacológicos, fossem adotadas.
Estratégias como a redução do volume de priming do circuito extracorpóreo e a utilização de colóides, como a albumina ou hemácias autólogas, aumentam a viscosidade do sangue, o que pode melhorar a perfusão microvascular e reduzir as complicações relacionadas à hipoperfusão cerebral e renal. Isso se reflete na redução de casos de insuficiência renal e problemas neurológicos, conforme demonstrado por Christian et al. (2021).
Ferraris et al. (2023) constatou que a utilização da técnica MUF resultou em redução do tempo de ventilação mecânica no pós-operatório, uma vez que evita o edema pulmonar decorrente do excesso de fluidos.
Entretanto, a recusa de transfusões sanguíneas pode representar um grande desafio no controle de sangramentos durante a cirurgia. As abordagens de preservação, embora eficazes, não são infalíveis, e algumas situações podem exigir alternativas mais intensivas. Apesar de todos os esforços para otimizar a perfusão e controlar o sangramento com antifibrinolíticos e técnicas de recuperação de sangue, em casos de sangramentos macroscópicos os resultados podem ser subótimos na ausência de sangue externo.
No estudo de Spiegel et al. (2022), observou-se que, em um grupo de pacientes com sangramento excessivo, o uso de antifibrinolíticos não foi suficiente, sendo necessária a substituição de fatores de coagulação, como o fibrinogênio e o fator VIIa recombinante — uma opção eficaz, porém de alto custo e associada a risco de complicações.
Portanto, as melhorias na perfusão extracorpórea em pacientes Testemunhas de Jeová envolvem não apenas a implementação de estratégias tradicionais, mas também a contínua exploração de novas tecnologias e abordagens farmacológicas. Dessa forma, é possível não apenas melhorar os resultados clínicos, mas também proporcionar uma abordagem respeitosa e personalizada, sem comprometer a segurança ou a eficácia da cirurgia.
5. CONCLUSÃO
A otimização da circulação extracorpórea para pacientes Testemunhas de Jeová representa um desafio significativo para a prática cirúrgica, especialmente devido à recusa de transfusões de sangue, que é central à sua fé. No entanto, como discutido ao longo deste trabalho, a adoção de técnicas individualizadas — como a ultrafiltração, a redução do circuito e do volume de priming — e a implementação de estratégias inovadoras — como o uso de tecnologias de recuperação sanguínea autóloga (por exemplo, Hemobag e Cell Saver), agentes farmacológicos para estimular a produção de hemácias e a minimização da perda sanguínea intraoperatória — são vitais para o manejo bem-sucedido desses pacientes.
A eficácia dessas abordagens, entretanto, depende de uma coordenação interdisciplinar que envolva cirurgiões, perfusionistas, anestesistas e hematologistas. A implementação bem-sucedida das intervenções discutidas exige que as equipes de saúde possuam um conhecimento profundo das opções disponíveis, bem como uma comunicação eficaz entre todos os profissionais envolvidos. Assim, é fundamental que protocolos de manejo sanguíneo sejam padronizados e que haja uma educação contínua, garantindo que todos compreendam a importância de respeitar as necessidades específicas desses pacientes.
Apesar dos avanços tecnológicos e das práticas já bem estabelecidas, desafios persistem. Entre eles, destacam-se a variedade e disponibilidade de equipamentos, o custo das tecnologias e a necessidade de capacitação contínua, especialmente em centros médicos com recursos limitados. A falta de uniformidade nos protocolos de manejo também representa um obstáculo importante, que precisa ser superado para assegurar que as práticas sejam aplicadas de forma consistente e eficaz.
Por fim, a pesquisa contínua e a educação permanente dos profissionais de saúde são essenciais para o aprimoramento do tratamento desses pacientes e para o avanço na integração de tecnologias que garantam um cuidado mais seguro e eficiente. A otimização da circulação extracorpórea para pacientes Testemunhas de Jeová não é apenas uma questão técnica, mas também um reflexo do compromisso da medicina com o respeito à autonomia do paciente e com a prática ética no contexto da saúde global.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Guia para o uso de hemocomponentes. Brasília: Ministério da Saúde, 2015.
CHRISTIAN, P. et al. Modified ultrafiltration in cardiac surgery: A review of current evidence. Journal of Thoracic Surgery, v. 159, p. 1123-1132, 2021.
FERRARIS, V. A. et al. Perioperative blood conservation strategies: An update for cardiac surgery. Annals of Thoracic Surgery, v. 115, p. 243-256, 2023.
HEMOCEG - Hemocentro Coordenador Estadual de Goiás Dr. Nion Albernaz. Exames de qualificação no sangue do doador. Disponível em: http://www.saude.go.gov.br/?unidades=hemocentro-de-goias. Acesso em: 12 mar. 2025.
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MURPHY, G. J. et al. Hemodilution and blood conservation in cardiac surgery. Journal of Cardiovascular Anesthesia, v. 36, p. 87-101, 2022.
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Esse artigo pode ser utilizado parcialmente em livros ou trabalhos acadêmicos, desde que citado a fonte e autor(es).
Como citar esse artigo:
SANTOS, Thalita Limeira dos; SILVA FILHO, José Benigno Pereira da; CASA NOVA, Rafaela Mourão Redon Fernandes; MARTINS, Vera Lúcia Gomes. Estratégias para otimização da circulação extracorpórea em cirurgias cardíacas de pacientes Testemunhas de Jeová. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.3, n.1, 2025; p. 211-224. ISSN 2965976-0 | D.O.I.: doi.org/10.59283/unisv.v3n1.013
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