ICMS E A REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL: PROPOSTAS PARA UM SISTEMA FISCAL MAIS EFICIENTE
- Eneias Duarte Tolentino
- 10 de jun.
- 45 min de leitura
ICMS AND TAX REFORM IN BRAZIL: PROPOSALS FOR A MORE EFFICIENT FISCAL SYSTEM
Informações Básicas
Revista Qualyacademics v.3, n.2
ISSN: 2965976-0
Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).
Recebido em: 29/05/2025
Aceito em: 30/05/2025
Revisado em: 03/06/2025
Processado em: 07/06/2025
Publicado em: 10/06/2025
Categoria: Estudo de Revisão
Como citar esse material:
SILVA, Alynni Kelly Domingos da; TOLENTINO, Eneias Duarte; CASTRO, Antonio Alceste Callil de. ICMS e a Reforma Tributária no Brasil: Propostas para um sistema fiscal mais eficiente. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.3, n.1, 2025; p. 137-162. ISSN 2965976-0 | D.O.I.: doi.org/10.59283/unisv.v3n2.009
Autores:
Alynni Kelly Domingos da Silva
Discente 9º Período de Direito da Faculdade da Amazônia e Graduado em Gestão Hospitalar. – Contato: alinebandeira99289717@gmail.com
Eneias Duarte Tolentino
Discente 9º Período de Direito da Faculdade da Amazônia, Bacharel de Ciências Contábeis pela Faculdade Barão do Rio Branco, Técnico em Contabilidade, Analista Fiscal e Tributário. – Contato: advduarteac@gmail.com
Antonio Alceste Callil de Castro
Graduado em Direito pelo União Educacional do Norte (2007) e especialização em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Damásio (2015). Atualmente é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre e Promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado. Tem
experiência na área de Direito.
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RESUMO
O sistema tributário brasileiro, especialmente no que se refere ao ICMS, é historicamente marcado por complexidade, fragmentação e ineficiência. A Emenda Constitucional 132/2023, que estabelece a reforma tributária com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em modelo de IVA dual, representa uma tentativa de superar esses desafios. Objetivo: o estudo tem como objetivo principal avaliar as propostas da reforma tributária para um sistema fiscal mais eficiente, destacando os mecanismos de transição, os benefícios potenciais e os desafios de implementação, com ênfase na substituição do ICMS. Metodologia: a pesquisa adotou uma abordagem qualitativa, baseada em análise documental da legislação pertinente (EC 132/2023 e PLP 68/2024), revisão bibliográfica de estudos sobre reformas tributárias comparadas e consulta a relatórios técnicos de instituições como o IBPT e a Receita Federal. Resultados: a análise demonstrou que a reforma tributária avança na simplificação do sistema ao unificar tributos sobre consumo e extinguir o ICMS progressivamente. No entanto, identificou-se que o sucesso da transição depende de: (1) coordenação federativa eficiente para evitar perdas arrecadatórias; e (2) mecanismos de compensação para estados menos desenvolvidos. Conclui-se que a reforma tributária representa um passo fundamental para um sistema fiscal mais eficiente, mas sua implementação exigirá cuidados adicionais, especialmente em estados com menor capacidade técnica, como o Acre.
Palavras-chave: Eficiência fiscal; ICMS; IBS; Reforma tributária.
ABSTRACT
The Brazilian tax system, particularly regarding the ICMS (Tax on the Circulation of Goods and Services), has historically been marked by complexity, fragmentation, and inefficiency. Constitutional Amendment 132/2023, which establishes tax reform through the creation of a dual VAT model called the Tax on Goods and Services (IBS), represents an effort to overcome these challenges. Objective: This study aims to evaluate the tax reform proposals toward a more efficient fiscal system, highlighting the transition mechanisms, potential benefits, and implementation challenges, with a focus on the replacement of the ICMS. Methodology: The research employed a qualitative approach, based on document analysis of relevant legislation (EC 132/2023 and PLP 68/2024), literature review of comparative tax reform studies, and consultation of technical reports from institutions such as IBPT and the Federal Revenue Service. Results: The analysis showed that the tax reform moves toward simplification by unifying consumption taxes and progressively phasing out the ICMS. However, it also found that the success of the transition depends on: (1) effective federal coordination to prevent revenue losses; and (2) compensation mechanisms for less developed states. It is concluded that the tax reform represents a fundamental step toward a more efficient fiscal system, but its implementation will require additional care, especially in states with lower technical capacity, such as Acre.
Keywords: Fiscal efficiency; ICMS; IBS; Tax reform.
1. INTRODUÇÃO
O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é um tributo de competência dos estados e do Distrito Federal, que incide sobre a movimentação de mercadorias e a prestação de serviços de transporte e comunicação. No contexto do Estado do Acre, a compreensão e a aplicação correta do ICMS são fundamentais para o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade das atividades comerciais locais.
Este trabalho analisa o ICMS no contexto das recentes propostas de reforma tributária, destacando os desafios e as oportunidades para a construção de um sistema mais eficiente. Serão examinados os impactos da atual fragmentação do imposto, as distorções causadas pela divergência de alíquotas entre os estados e as possíveis soluções em debate, como a unificação de regras e a adoção do modelo de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual. Além disso, discutir-se-ão os critérios para uma distribuição mais equitativa dos recursos entre as regiões, garantindo maior transparência e redução de desigualdades.
Sendo assim o problema de pesquisa que se apresenta é a complexidade e a variabilidade das normas que regem o ICMS, que podem gerar dúvidas e dificuldades na sua aplicação. A falta de um guia prático pode levar a erros na apuração e recolhimento do imposto, resultando em penalidades e comprometendo a saúde financeira dos negócios.
Portanto, a elaboração deste trabalho justifica pela necessidade de desmistificar o ICMS e oferecer um recurso acessível e didático que auxilie os contribuintes no cumprimento de suas obrigações fiscais. Nesse sentido, o objetivo geral deste trabalho é desenvolver um manual prático que sintetize as principais normas, procedimentos e orientações sobre o ICMS e destacando também o estado do Acre, de forma a facilitar a compreensão e a aplicação do imposto por parte dos contribuintes.
Diante da complexidade inerente ao sistema tributário brasileiro, em especial ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), torna-se essencial estabelecer diretrizes bem definidas que orientem a compreensão e a aplicação desse tributo no contexto específico do Estado do Acre.
A elaboração de um estudo detalhado e organizado justifica-se pela necessidade de desmistificar as normas fiscais, promover a transparência e facilitar o cumprimento das obrigações tributárias por parte dos contribuintes. Nesse sentido, os objetivos deste trabalho foram delineados para abranger desde os aspectos conceituais até as práticas cotidianas relacionadas ao ICMS, garantindo uma abordagem completa e útil tanto para profissionais da área quanto para o público em geral.
Em primeiro lugar, busca-se esclarecer as regras de incidência do ICMS no Acre, explicando os critérios que definem quando e como o imposto deve ser aplicado, considerando as particularidades da legislação estadual. Compreender esses fundamentos é primordial para evitar equívocos na tributação e assegurar o correto enquadramento das operações comerciais.
Paralelamente, é fundamental detalhar as alíquotas vigentes no estado, analisando suas variações conforme o tipo de mercadoria ou serviço, bem como as atualizações legais que impactam o cálculo do tributo. Essa análise permite uma visão clara das obrigações fiscais e ajuda a prevenir autuações por erros na aplicação das taxas.
A metodologia adotada neste estudo fundamenta-se em uma combinação de pesquisa bibliográfica, análise documental e levantamento de dados empíricos, com o objetivo de assegurar uma abordagem abrangente e fundamentada sobre o ICMS no Estado do Acre. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, que busca não apenas descrever as normas e procedimentos tributários, mas também interpretar suas implicações práticas no cotidiano dos contribuintes.
Inicialmente, será conduzida uma pesquisa bibliográfica, abrangendo a revisão da literatura existente sobre o ICMS, incluindo doutrinas jurídico-tributárias, artigos acadêmicos, estudos econômicos e relatórios técnicos. Essa etapa é essencial para contextualizar o imposto dentro do sistema tributário nacional, destacando suas peculiaridades no âmbito estadual. Além disso, serão analisadas as normas legais vigentes, como a Constituição Federal, o Código Tributário Nacional, a Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) e a legislação específica do Acre, bem como resoluções e orientações emitidas pela Secretaria de Estado da Fazenda (SEFAZ- AC). A sistematização dessas fontes permitirá um entendimento sólido do arcabouço legal que rege a incidência, cálculo e recolhimento do ICMS na região.
Complementarmente, será realizada uma análise documental detalhada, focada nas obrigações acessórias, portarias, instruções normativas e decisões administrativas que regulamentam o tributo no Acre.
2. O ICMS NO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
O Direito Tributário consolida-se como um ramo autônomo do Direito Público, dedicado à sistematização das normas que disciplinam a instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos. Sua atuação é essencial para equilibrar o poder impositivo do Estado e as garantias fundamentais dos contribuintes, assegurando que a tributação ocorra dentro de parâmetros legais e constitucionais.
Conforme destaca Paulsen (2024, p. 45), ‘‘o Direito Tributário é a disciplina jurídica que estuda as relações entre o fisco e os particulares, decorrentes da imposição, arrecadação e fiscalização dos tributos’’. Essa definição ressalta o caráter relacional da matéria, que não se limita à cobrança de impostos, mas também estabelece direitos, obrigações e mecanismos de controle recíprocos entre o Estado e os cidadãos.
A base normativa desse ramo do Direito está ancorada na Constituição Federal, que define os princípios norteadores da tributação, tais como legalidade, anterioridade, capacidade contributiva e vedação ao confisco. Segundo Mauro (2016), esses limites constitucionais visam coibir abusos do poder tributário, promovendo segurança jurídica e previsibilidade nas relações fiscais. Além disso, a Carta Magna distribui competências tributárias entre os entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), evitando sobreposições e conflitos de atribuições.
Segundo o Sistema tributário Nacional encontra seu fundamento no Art. 2º do Código Tributário Nacional (CTN), que determina:
O sistema tributário nacional é regido pelo disposto na Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, em leis complementares, em resoluções do Senado Federal e, nos limites das respectivas competências, em leis federais, nas Constituições e em leis estaduais, e em leis municipais (Brasil, 1996).
Essa definição legal, aparentemente simples, encerra em si toda uma filosofia tributária que reflete o equilíbrio delicado entre o poder fiscal do Estado e as garantias individuais dos contribuintes. De acordo com o doutrinador Martins (2019), a peculiaridade da obrigação, primeiro elemento destacável, não representa mera formalidade, mas sim a materialização do princípio da fungibilidade dos recursos públicos, permitindo ao Estado gerir de forma homogênea os valores arrecadados. A compulsoriedade, por sua vez, manifesta o caráter coativo inerente à relação tributária, embora esta não seja absoluta, encontrando seus limites nos princípios constitucionais que protegem o contribuinte.
A exclusão expressa do caráter sancionatório na definição legal estabelece uma fronteira clara entre o tributo propriamente dito e as penalidades por infrações, demarcação essencial para compreender a natureza jurídica específica da obrigação tributária.
A exigência de instituição por lei, que parece óbvia à primeira vista, revela-se na prática como um dos mais importantes freios ao arbítrio estatal, concretizando o princípio da legalidade que informa todo o Estado Democrático de Direito. Por fim, a vinculação administrativa completa o quadro ao assegurar que a atividade arrecadatória do fisco não comporta discricionariedades, devendo seguir estritamente o estabelecido em lei (Mauro, 2016).
Essa disposição legal evidencia a hierarquia normativa que rege a tributação no país, destacando a importância da Emenda Constitucional nº 18/1965 — marco inicial da estruturação do sistema atual —, bem como o papel das leis complementares (como o próprio CTN) e das legislações federais, estaduais e municipais. Como ressalta Hugo de Brito Machado (2021, p. 72), “a competência tributária é repartida constitucionalmente, cabendo à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de tributos dentro de suas respectivas esferas de atuação”.
O art. 3º do CTN, por sua vez, define o conceito de tributo, estabelecendo que: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Essa definição, conforme ensina Paulsen (2024, p. 103), delimita as características essenciais do tributo: “compulsoriedade (não voluntariedade), pecuniariedade (pagamento em dinheiro), legalidade (exigibilidade somente por lei) e não vinculação a uma contraprestação direta. Distingue-se, assim, de multas ou penalidades, que têm natureza sancionatória”.
Complementado pelo Código Tributário Nacional (CTN) e legislações específicas, esse sistema não apenas define os tributos existentes no país, mas também estabelece os princípios e normas que regulam sua aplicação, buscando equilibrar a necessidade de arrecadação estatal com a proteção aos contribuintes.
A natureza jurídica dos tributos, conforme estabelece o artigo 4º do CTN, é determinada essencialmente pelo fato gerador da obrigação, independentemente de formalismos ou da destinação dos recursos arrecadados.
De acordo com o Código Tributário Nacional (CTN), esse dispositivo legal estabelece que:
A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:
I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei;
II - a destinação legal do produto da sua arrecadação (Brasil, 1996, p. 1).
Segundo a obra de Martins (2019), essa disposição revela um princípio basilar do Direito Tributário: a substância sobre a forma. Ou seja, o que define um tributo não é o nome que lhe é atribuído pela legislação, mas sim o evento econômico ou jurídico que lhe dá origem. Como destacam os estudiosos da matéria, essa previsão visa coibir artifícios legais que busquem disfarçar a verdadeira natureza de uma exação fiscal, garantindo maior transparência e segurança jurídica.
Complementando essa definição, o artigo 5º do CTN enumera as espécies tributárias, estabelecendo que os tributos se dividem em impostos, taxas e contribuições de melhoria. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 ampliou essa classificação, incluindo os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais (sociais, econômicas e corporativas), consolidando um sistema multifacetado que atende às diversas necessidades de financiamento do Estado.
De acordo com Costa e Brandão (2024), essa estrutura reflete a complexidade do federalismo fiscal brasileiro, no qual a competência tributária é distribuída entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, cada qual com suas atribuições e limitações constitucionais. A correta qualificação da natureza jurídica de cada tributo, portanto, não é mera formalidade, mas condição essencial para assegurar a legalidade e a justiça fiscal, evitando distorções que possam onerar indevidamente os contribuintes ou fragilizar o equilíbrio federativo.
O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) encontra sua base normativa na Lei Complementar nº 87/1996, conhecida como Lei Kandir, que estabeleceu os fundamentos para a tributação estadual sobre o consumo (Brasil, 1996). Essa legislação, posteriormente modificada pelas Leis Complementares nº 92/1997, 99/1999, 102/2000 e 114/2002, visa harmonizar as regras do ICMS em âmbito nacional, ainda que os Estados mantenham certa autonomia para definir alíquotas e benefícios fiscais.
Segundo Mauro (2016), além de obedecer aos princípios gerais do sistema tributário brasileiro, como legalidade, anterioridade e capacidade contributiva, o ICMS é regido por dois princípios específicos: a não cumulatividade e a seletividade, os quais conferem características essenciais a esse imposto.
Segundo aponta Martins (2019), a não cumulatividade, prevista no artigo 155, § 2º, incisos I e II, da Constituição Federal de 1988, constitui um dos pilares do ICMS, assegurando que o imposto seja compensado em cada etapa da cadeia de circulação de mercadorias e serviços. Isso significa que o contribuinte — pessoa física ou jurídica — tem o direito de abater do valor devido o montante já pago em operações anteriores, evitando a tributação em cascata.
Em outras palavras, Costa e Brandão (2024) descrevem que o ICMS incide apenas sobre o valor agregado em cada transação, e não sobre o total da operação. Esse mecanismo de compensação, além de garantir neutralidade fiscal, busca evitar distorções econômicas que poderiam onerar excessivamente o preço final dos produtos, prejudicando tanto os contribuintes quanto os consumidores.
Já o princípio da seletividade está relacionado à possibilidade de o ICMS ser aplicado com alíquotas diferenciadas conforme a essencialidade do bem ou serviço. Ou seja, de acordo com Rabelo Neto (2017), produtos considerados essenciais, como alimentos básicos e medicamentos, podem ser tributados com alíquotas menores, enquanto itens supérfluos ou não essenciais podem sofrer tributação mais elevada.
Esse princípio está alinhado com a capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da CF/88), que determina que a tributação deve ser graduada conforme a condição econômica do contribuinte e a natureza do bem consumido. Dessa forma, a seletividade do ICMS cumpre não apenas uma função arrecadatória, mas também social, ao reduzir a carga tributária sobre bens de maior necessidade.
A combinação desses dois princípios — não cumulatividade e seletividade — confere ao ICMS uma estrutura complexa, mas essencial para o equilíbrio do sistema tributário brasileiro. Enquanto a não cumulatividade assegura eficiência econômica, evitando a bitributação, a seletividade promove justiça fiscal, adaptando a tributação ao perfil de cada produto (Mauro, 2016).
No entanto, Piscitelli (2023) argumenta que a aplicação desses princípios enfrenta desafios, especialmente em razão da guerra fiscal entre os Estados, que muitas vezes concedem benefícios indiscriminados para atrair empresas, distorcendo a neutralidade do imposto.
O sistema do ICMS assegura ao sujeito passivo o direito fundamental ao crédito do imposto anteriormente cobrado, mecanismo este que concretiza o princípio constitucional da não cumulatividade. Esse direito creditório abrange todas as operações que envolvam a entrada de mercadorias no estabelecimento — seja para comercialização, uso próprio, consumo ou incorporação ao ativo permanente —, bem como o recebimento de serviços de transporte interestadual, intermunicipal ou de comunicação (Mauro, 2016).
Tal disposição representa um cuidadoso equilíbrio entre o interesse arrecadatório do Estado e a necessidade de preservar a saúde econômica das empresas, evitando efeitos cumulativos que poderiam inviabilizar toda a cadeia produtiva (Rabelo Neto, 2017).
A essência da não cumulatividade reside precisamente em sua capacidade de garantir a neutralidade fiscal ao longo de todo o processo econômico. Independentemente do número de transações pelas quais uma mercadoria passe — da extração da matéria-prima até o consumidor final —, o ICMS incide apenas sobre o valor agregado em cada etapa, conforme descreve Amaro (2018).
Esse sistema sofisticado de compensação assegura que o imposto não se transforme em fator de distorção dos preços ou em barreira ao desenvolvimento econômico, mantendo sua característica de tributo indireto que, em última análise, será suportado pelo consumidor final, mas de forma racional e proporcional (Rabelo Neto, 2017).
Complementando esse mecanismo, o ICMS se caracteriza como imposto seletivo por excelência, cuja estrutura de alíquotas varia em função da essencialidade dos bens e serviços. Esse critério de seletividade não é aleatório, mas reflete um juízo de valor legislativo sobre a importância relativa dos produtos para a sociedade.
Ricardo (2023) descreve que, enquanto bens essenciais à vida e à dignidade humana — como alimentos básicos (feijão, arroz, leite), medicamentos e produtos de higiene pessoal — são tributados com alíquotas reduzidas, produtos considerados supérfluos ou até nocivos à saúde (como cigarros, bebidas alcoólicas e artigos de luxo) sofrem tributação mais elevada.
A justificativa para essa diferenciação vai além da simples arrecadação: trata-se de instrumento de política fiscal que busca conciliar eficiência econômica com justiça social (Ricardo, 2023). Ao aliviar a carga tributária sobre os bens essenciais, o sistema protege as camadas mais vulneráveis da população, enquanto a majoração sobre produtos supérfluos ou nocivos cumpre dupla função — além de aumentar a receita tributária, desincentiva o consumo desses itens. Essa seletividade, portanto, não é mero detalhe operacional, mas elemento central na conformação do ICMS como tributo que busca harmonizar desenvolvimento econômico com proteção social.
2.1. ASPECTO MATERIAL DO ICMS
No complexo universo do direito tributário, o aspecto material destaca-se como elemento nuclear para a correta compreensão e aplicação dos tributos, assumindo posição de inconteste relevância no plano funcional e operativo do sistema. Esta preeminência decorre de sua capacidade de revelar a verdadeira essência da obrigação tributária, servindo como critério fundamental para a caracterização e individualização de cada exação fiscal em meio à diversidade de hipóteses de incidência existentes no ordenamento jurídico.
O aspecto material consubstancia-se no fato gerador em sua dimensão substantiva, ou seja, na concretização da situação fática descrita abstratamente na lei como capaz de fazer nascer a obrigação de pagar o tributo. Conforme Amaro (2018), é este elemento que permite distinguir, por exemplo, uma taxa de um imposto, ou uma contribuição de melhoria de um empréstimo compulsório, independentemente das denominações formais adotadas pelo legislador. Como ensina a melhor doutrina, o aspecto material funciona como verdadeiro “DNA” do tributo, contendo em si as informações essenciais que determinam sua natureza jurídica específica.
Sua importância qualitativa supera em muito a dos demais aspectos (espacial, temporal e quantitativo), pois, enquanto estes se limitam a estabelecer circunstâncias acessórias da incidência (onde, quando e quanto), o aspecto material responde à questão primordial: “sobre o quê” incide o tributo (Carazza, 2018). É ele que define o núcleo da hipótese de incidência, estabelecendo o vínculo necessário entre a realidade econômica e a consequência jurídica do nascimento da obrigação tributária. O imposto em questão é estabelecido por meio de leis estaduais, ou seja, cada Estado tem a autonomia para regulamentá-lo. Trata-se de um imposto com caráter fiscal, e sua arrecadação tem como objetivo principal fortalecer os cofres públicos estaduais, conforme definido no Art. 155, inciso II, da Constituição Federal. As diretrizes gerais sobre o ICMS estão previstas na Lei Complementar nº 87/96, que detalha, especialmente nos artigos 1º e 2º:
1. Movimentação jurídica de uma mercadoria implica na operação de circulação, como, por exemplo, compra e venda como atividade habitual de comércio e não a posse do bem em sí; 2. Serviços de transportes interestaduais intermunicipais; 3. Serviço de comunicação; e 4. Importação. Cabe salientar que diante da hipótese de um importador de prestação de serviços, a tendência é que o ISS incida ao invés do ICMS. Sobre entendimento jurisprudência, o TJRS já pacificou o entendimento que a máquina importada por um médico não é uma mercadoria, mas sim um ativo de prestação de serviço, o que diverge da redação dada no Art. 155, § 2º, IX, CF/88 que determina que mesmo um sujeito que não é contribuinte habitual do imposto, se importar algo que não irá vender no mercado, que será para consumo próprio, portanto, mesmo assim o ICMS irá incidir sobre a referida importação.
Na prática, Paulsen (2024) descreve que, essa centralidade do aspecto material manifesta-se de forma cristalina quando analisamos casos concretos de qualificação tributária. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente afirmado que é o fato gerador em sua dimensão material - e não a mera denominação legal ou a destinação dos recursos - que determina a verdadeira natureza jurídica do tributo. Essa orientação encontra respaldo no próprio Código Tributário Nacional, que em seu art. 4º estabelece a irrelevância das características formais para a qualificação da natureza jurídica específica do tributo.
Segundo Baleeiro (2015), a supremacia do aspecto material revela-se ainda mais nítida quando confrontamos tributos de espécies diferentes que eventualmente possam incidir sobre o mesmo bem ou atividade. Nesses casos, é a análise minuciosa do fato gerador em sua dimensão material que permitirá distinguir se estamos diante de um imposto, uma taxa ou uma contribuição, evitando assim a bitributação ou a aplicação equivocada do regime jurídico inadequado.
2.2. ASPECTO ESPACIAL DO ICMS
Como imposto de natureza estadual, nos termos do art. 155, II, da Constituição Federal, o ICMS apresenta peculiaridades em sua configuração espacial que refletem o próprio federalismo fiscal brasileiro, exigindo criteriosa análise para sua correta aplicação.
A competência para instituição do ICMS é exclusiva dos Estados e do Distrito Federal, conforme estabelece a Carta Magna. Contudo, a efetiva atribuição do direito de cobrança depende da correta identificação do local onde ocorre o fato gerador do imposto. Como regra matriz, adota-se o critério da origem, pelo qual o imposto é devido ao Estado onde está localizado o estabelecimento remetente no momento da saída da mercadoria. Segundo Brasil (1996), este princípio básico encontra respaldo no art. 12 da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), que estabelece como fato gerador a saída de mercadoria do estabelecimento contribuinte.
Todavia, o sistema apresenta nuances importantes que modificam essa regra geral em situações específicas. Quando se trata de operações interestaduais destinadas a contribuintes do imposto (e não a consumidores finais), aplica-se o regime do diferencial de alíquotas (DIFAL), que divide a tributação entre o Estado de origem e o de destino. Nesse caso, parte do imposto fica com o Estado remetente e outra parte é transferida ao Estado destinatário, conforme disciplinado pelo Convênio ICMS 93/2015 e suas atualizações (Brasil, 2015).
De acordo com Mauro (2016, p. 3): “no âmbito espacial é de suma importância a definição do local da operação e, consequentemente, o fato gerador do imposto, que se dá pela circulação da mercadoria ou serviço. Dessa maneira, determina-se a competência para a respectiva cobrança.”
De acordo com Baleeiro (2015), essa complexa sistemática reflete o equilíbrio federativo buscado pelo legislador, que pretendeu, por um lado, respeitar a competência tributária dos Estados e, por outro, evitar distorções na guerra fiscal entre as unidades federadas. O aspecto espacial no ICMS, portanto, não se limita a uma simples questão de localização geográfica, mas envolve considerações sobre a natureza da operação (se interna ou interestadual), a qualidade das partes envolvidas (se contribuintes ou consumidores finais) e os regimes especiais aplicáveis a determinadas mercadorias ou operações.
A correta determinação do aspecto espacial é essencial tanto para os contribuintes, que precisam recolher o imposto ao ente competente, quanto para os Estados, que dependem dessa arrecadação para financiar suas atividades. Erros na identificação do local correto de tributação podem gerar bitributação ou, inversamente, evasão fiscal, comprometendo o equilíbrio do sistema e as receitas estaduais.
2.3. ASPECTO TEMPORAL DO ICMS
No estudo do ICMS, o aspecto temporal assume relevância ímpar por determinar o momento preciso em que se considera consumado o fato gerador e, consequentemente, estabelecer o nascimento da obrigação tributária.
Este elemento configura-se como verdadeiro eixo cronológico do sistema, fixando o instante exato em que a hipótese de incidência descrita abstratamente na norma jurídica se converte em situação concreta passível de tributação. A definição temporal não representa mera formalidade, mas constitui requisito essencial para a segurança jurídica das relações entre fisco e contribuintes.
Conforme estabelece o artigo 12 da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), no ICMS o fato gerador consubstancia-se na saída física da mercadoria do estabelecimento, momento este que marca a efetiva circulação do bem no sentido jurídico-tributário.
De acordo com Mauro (2016), tal disposição normativa reflete uma opção legislativa clara por adotar o critério objetivo da exteriorização material da operação como marco temporal decisivo, independentemente de outras circunstâncias como a transferência de propriedade ou o pagamento do preço. Esta solução técnica busca evitar controvérsias e oferecer parâmetros seguros para a identificação do exato momento tributável.
De acordo com a Lei Complementar Nº 87, de 13 de setembro de 1996 a ocorrência do fato gerador do ICMS é considerada nos seguintes momentos:
I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;
II – do fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabelecimento;
III – da transmissão a terceiro de mercadoria depositada em armazém geral ou em depósito fechado, no Estado do transmitente;
IV – da transmissão de propriedade de mercadoria, ou de título que a represente, quando a mercadoria não tiver transitado pelo estabelecimento transmitente;
V – do inicio da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer natureza;
VI – do ato final do transporte iniciado no exterior;
VII – das prestações onerosas de serviços de comunicação, feita por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
VIII – do fornecimento de mercadoria com prestação de serviços:
a) não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
b) compreendidos na competência tributária dos Municípios e com indicação expressa de incidência do imposto da competência estadual, como definido na lei complementar aplicável,
IX – do desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas do exterior;
X – do recebimento, pelo destinatário, de serviço prestado no exterior;
XI – da aquisição em licitação pública de mercadorias importadas do exterior apreendidas ou abandonadas;
XII – da entrada no território do Estado de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização;
XIII – da utilização, por contribuinte, de serviço cuja prestação se tenha iniciado em outro Estado e não esteja vinculada a operação ou prestação subsequente (Brasil, 1996, p. 6).
Além disso segundo a mesma Lei Complementar Nº 87 (1996), o imposto incide
sobre:
I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
II – prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;
III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
V – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.
VI – sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo permanente do estabelecimento;
VII – sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
VIII – sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente (Brasil, 1996, p. 6).
Assim sendo, conforme Brasil (1996, p. 7) e não incide sobre:
I – operações com livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão;
II – operações e prestações que destinem ao exterior, mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semielaborados, ou serviços; II – operações interestaduais relativas a energia elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando destinados à industrialização ou à comercialização;
IV – operações com ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial;
V – operações relativas a mercadorias que tenham sido ou que se destinem a ser utilizadas na prestação, pelo próprio autor da saída, de serviço de qualquer natureza definido em lei complementar como sujeito ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, ressalvadas as hipóteses previstas na mesma lei complementar;
VI – operações de qualquer natureza de que decorra a transferência de propriedade de estabelecimento industrial, comercial ou de outra espécie; VII – operações decorrentes de alienação fiduciária em garantia, inclusive a operação efetuada pelo credor em decorrência do inadimplemento do devedor;
VIII – operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário;
IX – operações de qualquer natureza de que decorra a transferência de bens móveis salvados de sinistro para companhias seguradoras.
Equipara-se às operações de que trata o item II a saída de mercadoria realizada com o fim específico de exportação para o exterior, destinada a:
a) Empresa comercial exportadora, inclusive tradings ou outro estabelecimento da mesma empresa;
b) Armazém alfandegado ou entreposto aduaneiro.
De acordo com as citações expostas acima, entende-se que a Lei Complementar nº 87/1996, conhecida como Lei Kandir, estabelece de forma detalhada os critérios que definem o fato gerador, a incidência e as hipóteses de não incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O legislador buscou abranger as diversas situações em que o tributo se aplica, assegurando uma base normativa clara para a cobrança desse imposto de competência estadual, ao mesmo tempo em que delimitou exceções fundamentadas em políticas públicas e interesses econômicos estratégicos.
Entende-se, ainda, que o fato gerador do ICMS está intrinsecamente ligado à efetiva movimentação econômica, seja pela saída de mercadorias do estabelecimento, mesmo que entre filiais de uma mesma empresa, seja pelo fornecimento de alimentos e bebidas em estabelecimentos comerciais, ou mesmo pela prestação de serviços de transporte e comunicação. A lei também considera como momento de incidência a transmissão de mercadorias depositadas em armazéns, o desembaraço aduaneiro de produtos importados e a entrada interestadual de combustíveis e energia elétrica quando não destinados à comercialização. Essas disposições demonstram que o ICMS incide sempre que há uma efetiva circulação de riqueza, seja em operações internas, interestaduais ou de comércio exterior.
Diante disso, a correta identificação do aspecto temporal reveste-se de importância prática inquestionável. É neste momento que se fixam: a legislação aplicável (considerando o princípio da anterioridade), a competência tributária (em casos de operações interestaduais), a alíquota vigente e até mesmo a definição do sujeito passivo da obrigação. Erros na determinação deste marco cronológico podem gerar graves consequências, desde a aplicação indevida de benefícios fiscais até a configuração de débitos tributários inexistentes.
2.4. ASPECTO PESSOAL DO ICMS
No âmbito do ICMS, o aspecto pessoal constitui elemento fundamental para a configuração da relação jurídico-tributária, determinando com precisão os polos ativo e passivo desta obrigação. Esta dimensão subjetiva do tributo estrutura-se a partir de premissas claras estabelecidas tanto pelo Código Tributário Nacional quanto pela legislação específica do imposto, conformando um sistema coerente que equilibra o poder de tributar do Estado com as garantias dos contribuintes.
Conforme dispõe o artigo 119 do Código Tributário Nacional, o sujeito ativo da obrigação tributária é sempre a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o cumprimento da prestação. No caso do ICMS, esta competência é atribuída constitucionalmente aos Estados e ao Distrito Federal, conforme estabelece o artigo 155, II, da Constituição Federal.
A Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) reforça esta disposição em seu artigo 1º, deixando inequívoca a natureza estadual do imposto e a correspondente titularidade ativa. Esta dupla previsão normativa não é acidental, mas reflete o cuidado do legislador em preservar o equilíbrio federativo, impedindo que outros entes possam arrogar-se o direito de cobrar este tributo.
O artigo 1º da Lei Complementar nº 87 explana no mesmo sentido, tal como:
Art. 1º. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (Brasil, 1996).
De acordo com os autores Alves et al. (2022), o regime jurídico do ICMS sobre operações de importação passou por significativa transformação desde sua concepção na Constituição de 1988, demonstrando a dinâmica adaptação do sistema tributário às realidades econômicas. Originalmente, a Carta Magna estabeleceu em seu artigo 155, inciso IX, §2º, alínea "a", um sistema restritivo de incidência do ICMS sobre importações, limitando sua exigibilidade apenas às pessoas jurídicas comerciantes, industriais ou produtores que adquirissem mercadorias do exterior com intuito comercial. Esta redação original refletia uma política tributária deliberada de excluir as pessoas físicas da obrigação tributária quando importassem para uso próprio, sem finalidade de comercialização.
Nesse contexto histórico inicial, configurava-se uma clara distinção entre importadores profissionais (sujeitos passivos do ICMS) e consumidores finais (isentos da tributação). A sistemática então vigente partia do pressuposto de que apenas os agentes econômicos que integravam a cadeia produtiva e comercial - e que, portanto, agregariam valor à mercadoria para posterior revenda - deveriam suportar o ônus do imposto (Baleeiro, 2015). Segundo Mauro (2016), as pessoas físicas que importassem para consumo próprio encontravam-se protegidas pela isenção constitucional, desde que comprovassem a destinação não comercial das mercadorias.
Diante disso, cabe ao contribuinte ocupar a posição de sujeito passivo na relação tributária, sendo qualquer pessoa, física ou jurídica, que tenha o dever de cumprir essa obrigação, em conformidade com o disposto no art. 4º da Lei Complementar nº 87.
Entretanto, esta configuração normativa mostrou-se vulnerável a distorções na prática. Criou-se um significativo loophole tributário que passou a ser amplamente explorado: pessoas físicas realizavam importações em grande volume, alegando destinação ao uso pessoal, mas, na prática, desenvolviam atividade comercial irregular, concorrendo deslealmente com os comerciantes regularmente estabelecidos.
Essa situação não apenas prejudicava o mercado formal como também reduzia consideravelmente a arrecadação estadual, já que o ICMS constituía (e ainda constitui) a principal fonte de receita própria dos estados.
Art. 4º. Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Parágrafo único: É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade: "XIV - importe mercadorias do exterior, ainda que as destine a consumo ou ao ativo permanente do estabelecimento (Brasil, 1996)".
A alteração legislativa que estendeu a incidência do ICMS às importações por pessoas físicas, independentemente de habitualidade ou finalidade comercial, representou uma significativa transformação no panorama tributário brasileiro, suscitando relevantes debates na doutrina jurídica sobre sua conformidade com os princípios constitucionais tributários (Cruz; Oliveira, 2018).
O parágrafo único que consagra esta exigibilidade "mesmo sem habitualidade" constitui ruptura com o sistema anterior, gerando tensão entre a necessidade de ampliação da base tributária e a proteção dos contribuintes contra onerosidade excessiva.
A controvérsia jurídica em torno desta inovação legislativa centra-se precisamente na aparente colisão com o princípio constitucional da não- cumulatividade, previsto no art. 155, §2º, I e II da Constituição Federal. Este princípio, pedra angular do ICMS, foi concebido precisamente para evitar o efeito cascata na tributação sobre operações comerciais, assegurando que o imposto incida apenas sobre o valor agregado em cada etapa da circulação de mercadorias.
De acordo com Cruz e Oliveira (2018), a extensão da tributação às importações por pessoas físicas, sem mecanismos compensatórios adequados, cria situação paradoxal em que consumidores finais - tradicionalmente entendidos como destinatários últimos do imposto - passam a suportar carga tributária sem possibilidade de recuperação do crédito, caracterizando potencial efeito cumulativo.
Segundo Paulsen (2024), a doutrina especializada divide-se quanto à constitucionalidade desta exigência. De um lado, argumenta-se que a ampliação da base tributária encontra respaldo no poder geral de tributar do Estado e na necessidade de combater evasão fiscal.
De outro, sustenta-se que tal medida desvirtua a natureza do ICMS como imposto sobre valor agregado, transformando-o em tributo sobre consumo final quando aplicado a pessoas físicas sem atividade empresarial (Mauro, 2016). Esta segunda corrente aponta que o sistema tradicional já previa mecanismo adequado para coibir abusos - a possibilidade de fiscalização e tributação quando configurada efetiva atividade comercial -, tornando desproporcional a solução adotada.
3. A REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL: CONTEXTO E DESAFIOS
O presente capítulo tem como objetivo analisar criticamente o complexo processo de reforma tributária brasileira, com especial atenção ao papel central do ICMS neste debate. A análise será desenvolvida em dois eixos complementares: primeiro, mediante reconstrução histórica das tentativas de reformulação do sistema tributário nacional; segundo, através do exame da proposta de substituição do ICMS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que representa o cerne das atuais discussões sobre modernização fiscal no país.
3.1. HISTÓRICO DAS TENTATIVAS DE REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL
A gênese do sistema tributário brasileiro sobre o consumo remonta ao ano de 1922, marco fundamental na história fiscal do país, com a promulgação da Lei Federal nº 4.625. Este diploma legislativo, que representou uma inovação no panorama econômico da Primeira República, instituiu não apenas o imposto sobre a renda — fato por si só revolucionário —, mas também criou o Imposto sobre Vendas Mercantis (IVM), estabelecendo assim os primeiros alicerces formais da tributação indireta sobre operações comerciais no Brasil.
Guerra (2020, p. 10) fala sobre este antigo imposto o seguinte:
A União cria em 1923 (Lei nº 4.625, de 31.12.1922), com o nome Imposto sobre Vendas Mercantis, um papel líquido e certo, com força cambial semelhante à das letras de câmbio e promissórias (Lei nº 2.044, de 1908), para facilidade de descontar nos bancos as faturas de vendas dos comerciantes e indústrias, quando reconhecidas e assinadas pelos compradores (art. 219 do Código Comercial). O Congresso as atendeu e foi instituída a emissão da duplicata da fatura para ser aceita pelos devedores, em troca do imposto de 0,3% (Rs 3$ por cento de réis), não só nas vendas a prazo, mas também nas vendas à vista, registradas em livros próprios. Na época, ficaram conhecidas como “contas assinadas”.
De acordo com Guerra (2020, p.72):
Na década de 1930, as atividades industriais e comerciais experimentaram enorme expansão e passaram a ganhar destaque no panorama econômico, tanto mundial quanto brasileiro, tornando-se consequentemente, uma boa fonte de arrecadação. No contexto dessas mudanças, é que a Constituição de 1934 criou o IVC – Imposto sobre Vendas e Consignações.
Ainda corroborando sobre a evolução do IVC, Guerra (2020, p.75) em seu livro Contabilidade, Auditoria e Gestão Tributária, cita o seguinte:
Com a redemocratização do Estado e a promulgação de uma nova Constituição Federal, o ICM se converteu no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS”, que se conhece. O ICMS surge, neste contesto, tendo como suposta vantagem uma simplificação no sistema tributário, visto ser o resultado da unificação de seis outros impostos sendo um estadual e os demais federais: Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias (ICM); Imposto sobre Transporte (IST); Imposto Único sobre Minerais (IUM) Imposto sobre Serviços de Comunicação; Imposto Único sobre Energia Elétrica; Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes Entretanto, tornou-se a raiz de um dos problemas mais polêmicos: ser Imposto que embora tenha características nacionais é instituído pelas unidades subnacionais, gerando diversos conflitos entre elas que ficaram conhecidos como “Guerra Fiscal”.
Ainda segundo Pereira Filho e Brasil Jr (2011, p.115) destaca-se que:
O Imposto sobre a realização de operações de Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, ICMS. Uma curiosidade, este imposto, teve origem no antigo ICM – Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias. O ICM surgiu no sistema tributário nacional, por intermédio da edição da Emenda Constitucional 18, de 01.12.1965. Tal imposto substituiu o IVC – Imposto sobre Vendas e Consignações. O ICM surgiu da necessidade que havia de criar um tributo dessa natureza, mas que incidisse de forma não-cumulativa, uma vez que o IVC era cumulativo. Nesta toada, foi instituído, por meio da edição da Emenda Constitucional nº18/1965, o ICM, hoje evoluído para ICMS.
O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) é um tributo de competência estadual, previsto na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Complementar nº 87/1996, conhecida como Lei Kandir. Esse imposto incide sobre a circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação. A Constituição de 1988 estabelece que o ICMS é de competência dos Estados e do Distrito Federal, e cada unidade federativa possui autonomia para definir suas normas e alíquotas, dentro dos limites estabelecidos pela legislação federal.
A Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) define as regras gerais para a cobrança do ICMS em todo o território nacional, mas os Estados detêm a prerrogativa de regulamentar aspectos específicos dentro de suas jurisdições. No caso do Estado do Acre, a Lei nº 2.608/2003, que aprova o Regulamento do ICMS do Estado, estabelece normas que orientam a aplicação do tributo no território estadual. Isso reforça a importância de um estudo detalhado da legislação local para garantir que os contribuintes cumpram suas obrigações de forma eficiente.
Cada Estado possui características próprias na legislação do ICMS, com possibilidade de instituir benefícios fiscais, regimes especiais de tributação e isenções. No Acre, a legislação estadual do ICMS é regida pelo Regulamento do ICMS (RICMS/AC, 2025) e seus anexos, que detalham as regras de apuração e recolhimento do imposto, as alíquotas aplicáveis, os incentivos fiscais concedidos, bem como as obrigações acessórias dos contribuintes.
Entre as particularidades do ICMS no Acre, destacam-se os benefícios fiscais que visam incentivar a economia local, como a isenção do ICMS sobre a importação de bens e mercadorias de outros estados e países, e a concessão de créditos presumidos para setores estratégicos da economia. Tais benefícios são fundamentais para estimular o desenvolvimento econômico regional, mas, ao mesmo tempo, exigem conhecimento aprofundado para evitar o descumprimento das condições que permitem sua fruição.
Os benefícios fiscais são uma forma de o Estado do Acre incentivar determinadas atividades econômicas, como o comércio, a indústria e os serviços. De acordo com Brasil (1996), a Lei Kandir e a legislação estadual permitem que os estados instituam isenções, reduções de base de cálculo, créditos presumidos e outros benefícios, com o objetivo de fomentar a economia local. Para que o contribuinte aproveite esses incentivos de forma legal e eficiente, é necessário compreender as condições específicas que envolvem cada benefício fiscal, conforme detalhado no regulamento estadual do ICMS.
Sabbag (2019) destaca que, ao conceder incentivos fiscais, o Estado deve garantir a legalidade e a transparência do processo, e o contribuinte deve cumprir rigorosamente as condições estabelecidas para usufruir desses benefícios. O Manual Prático do ICMS visa orientar empresários e contadores na identificação e correta aplicação desses incentivos, evitando seu uso indevido e, consequentemente, o risco de autuações fiscais.
Além do pagamento do ICMS, os contribuintes são obrigados a cumprir diversas obrigações acessórias, como a emissão de notas fiscais, o envio de informações ao fisco estadual e a entrega de declarações periódicas, como a DAM – Documento de Apuração Mensal do ICMS. Essas obrigações são fundamentais para que o Estado possa monitorar e fiscalizar a arrecadação do imposto, mas representam desafios para os empresários, que precisam manter controle adequado sobre suas operações.
A obrigação acessória não se limita à mera entrega de documentos, mas também envolve a correta apuração e escrituração dos dados fiscais. Conforme o autor Luciano Amaro (2018), o cumprimento adequado dessas obrigações é essencial para que o contribuinte evite erros e para que o Estado possa efetivamente controlar a arrecadação tributária. A doutrina de José Eduardo Soares de Melo (2016) enfatiza a importância da tecnologia da informação na gestão fiscal, pois ela permite a integração de processos e a automação no cumprimento das obrigações, minimizando o risco de falhas humanas e aumentando a eficiência tributária. Para os contribuintes, a adoção de soluções tecnológicas pode ser um diferencial importante na melhoria da conformidade com as normas fiscais.
A substituição tributária (ST) é uma das características mais complexas do ICMS e é aplicada em diversas situações no sistema tributário estadual. A substituição tributária por antecipação ocorre quando o imposto é pago antecipadamente por um contribuinte que atua em uma cadeia produtiva ou comercial, e posteriormente o valor é repassado aos demais integrantes dessa cadeia. Essa sistemática é comum em várias mercadorias e serviços e, no caso do Acre, está regulamentada detalhadamente no RICMS/AC (2025).
O conceito e a aplicação da substituição tributária são amplamente discutidos por autores como Roque Carrazza (2018), que observa que, nesse regime, o responsável pelo pagamento do ICMS é o remetente da mercadoria, e não o destinatário, como ocorre no regime normal. Essa prática visa facilitar a fiscalização e garantir a arrecadação do imposto, mas também impõe desafios aos contribuintes, que devem estar atentos às normas para evitar erros no cálculo e no recolhimento.
O ICMS no Estado do Acre apresenta características e particularidades em relação a outros estados, como alíquotas diferenciadas, isenções e regimes de substituição tributária. Compreender essas especificidades é fundamental para a elaboração de um manual eficaz, especialmente diante dos desafios e particularidades regionais.
Salienta-se, ainda, que existem no Acre três municípios com regime diferenciado de tributação: as Áreas de Livre Comércio (ALCs) de Brasileia/Epitaciolândia e Cruzeiro do Sul, instituídas pela Lei nº 8.857/1994, art. 2º, parágrafo único, que dispõe:
Parágrafo único. Consideram-se integrantes das Áreas de Livre Comércio de Brasiléia com extensão para o Município de Epitaciolândia – ALCB e de Cruzeiro do Sul – ALCCS todas as suas superfícies territoriais, observadas as disposições dos tratados e convenções internacionais (Acre, 2025).
Vale lembrar que está por vir um novo marco na história da legislação tributária do Brasil, advindo da Reforma Tributária promovida pela Emenda Constitucional nº 132/2023. Essa reforma altera o Sistema Tributário Nacional, extinguindo diversos tributos e criando outros em substituição. Entre eles, destacam-se o IVA Dual – Imposto sobre Valor Agregado –, que compreende a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência da União, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência compartilhada entre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, além do Imposto Seletivo (IS) e da Contribuição Estadual (Brasil, 2023).
Uma das principais características desse IVA Dual (CBS e IBS) é que ele incide sobre uma base ampla, tem cálculo “por fora”, é não cumulativo e será recolhido no destino das operações.
3.2. O PAPEL DO ICMS NA REFORMA: SUBSTITUIÇÃO POR IBS (IMPOSTO SOBRE BENS E SERVIÇOS)?
Lembrando que está por vir um novo marco na história da legislação tributária do Brasil, advindo da Reforma Tributária por meio da Emenda Constitucional nº 132/2023, que altera o Sistema Tributário Nacional, extinguindo diversos tributos e criando outros em substituição. Entre eles, destaca-se o IVA Dual — Imposto sobre Valor Agregado —, composto pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência da União, e pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência compartilhada entre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, além do Imposto Seletivo (IS) e da nova Contribuição Estadual.
Uma das principais características desse IVA Dual (CBS e IBS) é que incide sobre uma base ampla de tributação, possui cálculo "por fora" (ou seja, sem inclusão do imposto em sua própria base), é não cumulativo e o recolhimento se dá no destino das operações.
Uma breve descrição do IBS: atualmente temos o ICMS, de competência estadual, e o ISSQN, de competência municipal, sendo que o Distrito Federal acumula ambas as competências. O IBS substituirá esses tributos, promovendo maior uniformidade e simplicidade ao sistema.
Nesse sentido, de acordo com Brasil (2023, p. 5), o advento da Reforma Tributária, conforme o artigo 156-A, §1º, da Emenda Constitucional nº 132/2023, estabelece que:
§ 1º O imposto previsto no caput será informado pelo princípio da neutralidade e atenderá ao seguinte: I - incidirá sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços; II - incidirá também sobre a importação de bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou de serviços realizada por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja sujeito passivo habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade; III - não incidirá sobre as exportações, assegurados ao exportador a manutenção e o aproveitamento dos créditos relativos às operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direitos, ou serviço, observado o disposto no § 5º, III; IV - terá legislação única e uniforme em todo o território nacional, ressalvado o disposto no inciso V; V - cada ente federativo fixará sua alíquota própria por lei específica; VI - a alíquota fixada pelo ente federativo na forma do inciso V será a mesma para todas as operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Constituição; VII - será cobrado pelo somatório das alíquotas do Estado e do Município de destino da operação; VIII - será não cumulativo, compensando-se o imposto devido pelo contribuinte com o montante cobrado sobre todas as operações nas quais seja adquirente de bem material ou imaterial, inclusive direito, ou de serviço, excetuadas exclusivamente as consideradas de uso ou consumo pessoal especificadas em lei complementar e as hipóteses previstas nesta Constituição; IX - não integrará sua própria base de cálculo nem a dos tributos previstos nos arts. 153, VIII, e 195, I, "b", IV e V, e da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239; X - não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição; XI - não incidirá nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita; XII - resolução do Senado Federal fixará alíquota de referência do imposto para cada esfera federativa, nos termos de lei complementar, que será aplicada se outra não houver sido estabelecida pelo próprio ente federativo; XIII - sempre que possível, terá seu valor informado, de forma específica, no respectivo documento fiscal.
Em outras palavras, o texto afirma que uma das principais características do IBS será a neutralidade tributária, ou seja, a não cumulatividade. Isso significa que tudo aquilo que a empresa adquirir dará direito a crédito, e tudo o que ela vender gerará um débito, promovendo assim a neutralidade fiscal. Outra característica relevante é a ampla base de incidência, abrangendo todos os bens e serviços, inclusive os intangíveis e imateriais — por exemplo, aplicativos de celular, entre outros.
Vale ressaltar que, de acordo com o artigo 156-A, inciso III, da Emenda Constitucional nº 132/2023, o IBS não incidirá sobre exportações de bens e serviços. Isso demonstra com clareza que tributos não devem ser exportados. Já está assegurado constitucionalmente o direito à manutenção dos créditos das aquisições, mesmo que a empresa realize vendas sem a incidência do imposto em virtude da imunidade tributária.
Com a reforma, o Brasil passará a ter uma legislação única e uniforme em todo o território nacional. Certamente, esse é um dos maiores desafios da reforma no tocante ao ICMS, pois, até então, cada ente federado possuía sua própria legislação, ainda que houvesse previsão constitucional para sua regulamentação por meio da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir). Cada estado criava seus próprios benefícios e incentivos fiscais, com o objetivo de atrair investimentos para seus territórios e para o Distrito Federal.
Ainda segundo a Emenda Constitucional nº 132/2023, nos incisos IV, V, VI e X do artigo 156-A, ficam extintas as isenções e imunidades tributárias, salvo as previstas expressamente na Constituição Federal. As alíquotas serão uniformes para todas as operações, e será elaborada uma nova Lei Complementar para regulamentar as alíquotas aplicáveis pelos Estados, Municípios e Distrito Federal no âmbito do IBS.
Conforme Brasil (2023, p. 12), em análise sobre a CBS — Contribuição sobre Bens e Serviços —, praticamente todas as disposições previstas para o IBS — Imposto sobre Bens e Serviços — serão aproveitadas pela CBS, conforme previsto no artigo 195, inciso V, da Emenda Constitucional nº 132/2023. A seguir:
Art. 195. V – Sobre bens e serviços, nos termos de lei complementar.
§ 15. A contribuição prevista no inciso V do caput poderá ter sua alíquota fixada em lei ordinária. § 16. Aplica-se à contribuição prevista no inciso V do caput o disposto no art. 156-A, § 1º, I a VI, VIII, X a XIII, § 3º, § 5º, II a VI e IX, e §§ 6º a 11 e 13. § 17. A contribuição prevista no inciso V do caput não integrará sua própria base de cálculo nem a dos tributos previstos nos arts. 153, VIII, 156-A e 195, I, "b", e IV, e da contribuição para o Programa de Integração Social de que trata o art. 239. § 18. Lei estabelecerá as hipóteses de devolução da contribuição prevista no inciso V do caput a pessoas físicas, inclusive em relação a limites e beneficiários, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda. § 19. A devolução de que trata o § 18 não será computada na receita corrente líquida da União para os fins do disposto nos arts. 100, § 15, 166, §§ 9º, 12 e 17, e 198, § 2º.
A decisão de desenvolver este tema em momento posterior à aprovação da emenda revela uma sofisticação técnica na condução da reforma. Ao separar a estrutura básica do novo sistema (definida na emenda constitucional) dos elementos quantitativos (delegados à lei complementar), criou-se espaço para uma modelagem econômica mais precisa, que considere as condições macroeconômicas vigentes no momento da regulamentação. Essa abordagem gradual permite, ainda, um amplo debate com a sociedade civil e especialistas antes da definição final das alíquotas.
Segundo Albano (2024), o estágio atual de embasamento preliminar representa uma fase necessária de estudos técnicos e discussões interinstitucionais, que deverá preceder a elaboração do projeto de lei complementar. Esse processo preparatório deverá envolver, necessariamente, o Ministério da Economia, a Receita Federal, o Congresso Nacional e os entes federativos, além de ouvir representantes dos setores produtivos, garantindo, assim, que as futuras alíquotas equilibrem adequadamente os objetivos arrecadatórios com os de desenvolvimento econômico.
A importância dessa etapa regulatória não pode ser subestimada, pois as alíquotas constituirão um elemento central na eficácia de todo o novo sistema tributário. Sua definição demandará não apenas expertise econômica, mas também sensibilidade política para harmonizar interesses diversos, mantendo sempre como norte os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da vedação ao confisco (Albano, 2024). O sucesso da reforma tributária dependerá, em grande medida, do acerto nesta fase crucial de regulamentação.
4. PROPOSTAS PARA UM SISTEMA TRIBUTÁRIO MAIS EFICIENTE
O sistema tributário brasileiro é reconhecidamente um dos mais complexos e onerosos do mundo, caracterizado por uma multiplicidade de impostos, contribuições e obrigações acessórias que sobrecarregam tanto os contribuintes quanto a administração pública. Essa complexidade não apenas dificulta o cumprimento das obrigações fiscais, mas também gera insegurança jurídica e eleva os custos de compliance, especialmente para pequenas e médias empresas. Além disso, a estrutura tributária atual é marcada por uma evidente regressividade, na qual os contribuintes de menor renda acabam suportando uma carga proporcionalmente maior do que os mais ricos. Diante desse cenário, a necessidade de uma reforma tributária que promova eficiência, simplicidade e justiça fiscal torna-se inadiável.
Uma das principais medidas para alcançar um sistema tributário mais eficiente é a simplificação e unificação dos impostos sobre o consumo. Atualmente, o Brasil possui uma série de tributos indiretos — como ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI — que incidem de forma sobreposta e com regras distintas em cada esfera da federação. Essa fragmentação gera distorções econômicas e incentiva a chamada "guerra fiscal" entre os estados, nas quais as unidades federativas concedem benefícios fiscais para atrair empresas, muitas vezes em detrimento da arrecadação nacional.
De acordo com Fagnani (2018), a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) único, inspirado nos modelos adotados por nações desenvolvidas, como os membros da União Europeia, representa uma solução estrutural para os principais entraves do sistema tributário brasileiro. Ao substituir a complexa teia de tributos sobre o consumo — como ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI — por um único imposto nacional, o país poderia superar as distorções que hoje oneram a produção, dificultam o comércio interestadual e geram insegurança jurídica.
A adoção de um IVA unificado, com alíquotas padronizadas e uma ampla base de incidência, traria benefícios em múltiplas dimensões. Em primeiro lugar, reduziria significativamente a burocracia fiscal, hoje um dos principais obstáculos à competitividade das empresas brasileiras. Estima-se que os custos de compliance tributário no Brasil consumam cerca de 2.000 horas por ano por empresa, segundo dados do Banco Mundial — um valor exorbitante quando comparado à média de 234 horas nos países da OCDE (Fagnani, 2018). Ao unificar tributos e simplificar obrigações acessórias, o IVA permitiria que as empresas, especialmente as de menor porte, direcionassem mais recursos à produtividade e à inovação, em vez de se perderem em complexidades fiscais.
De acordo com Varsano (2014), no âmbito federativo, o IVA poria fim às nocivas disputas fiscais entre os estados, que hoje se traduzem em uma verdadeira “guerra de incentivos”, com perdas bilionárias para os cofres públicos. A atual fragmentação do ICMS, com 27 legislações estaduais distintas e inúmeros regimes especiais, não apenas distorce a alocação de recursos na economia como também cria um ambiente de permanente litigiosidade. Um IVA nacional, com regras uniformes e um mecanismo de rateio transparente entre os entes federados, eliminaria essas distorções, criando um mercado interno verdadeiramente integrado e previsível para os investidores.
A fiscalização também seria fortemente beneficiada pela adoção do IVA. O modelo atual, com múltiplos tributos sobrepostos e diferentes bases de cálculo, abre espaço para interpretações divergentes e disputas judiciais intermináveis. Um sistema unificado permitiria a implementação de mecanismos mais eficientes de controle, como o cruzamento automatizado de dados e a rastreabilidade eletrônica de operações, seguindo exemplos bem-sucedidos como o VAT europeu. A experiência portuguesa, que reduziu a evasão do IVA de 26% para 18% após a modernização de seus sistemas de fiscalização, demonstra o potencial dessas medidas (Fagnani, 2018).
Outro aspecto fundamental é a progressividade tributária, que visa garantir uma distribuição mais justa da carga fiscal de acordo com a capacidade contributiva de cada indivíduo. O sistema atual, no entanto, opera de maneira regressiva, pois tributa proporcionalmente mais os consumidores de baixa renda por meio de impostos indiretos, enquanto a tributação sobre renda e patrimônio dos mais ricos é relativamente baixa quando comparada a padrões internacionais.
Segundo os autores Teles et al. (2018), para corrigir essa distorção, seria necessário aumentar a progressividade do Imposto de Renda, com alíquotas mais elevadas para os estratos superiores da pirâmide social, além de taxar grandes fortunas e heranças, seguindo exemplos de nações como França e Alemanha. Ao mesmo tempo, a redução de impostos sobre produtos essenciais, como alimentos e medicamentos, aliviaria a pressão sobre as famílias mais pobres, tornando o sistema mais equitativo.
Segundo Silveira et al. (2018), a questão do federalismo fiscal também merece atenção, uma vez que o atual modelo de distribuição de receitas gera desequilíbrios entre os entes federativos. Estados e municípios menos desenvolvidos frequentemente enfrentam dificuldades para manter suas finanças em ordem, dependendo de transferências da União para cobrir despesas básicas.
Uma reforma tributária eficiente deve, portanto, prever mecanismos de equalização fiscal, como um fundo nacional que redistribua recursos de maneira mais equilibrada, garantindo que regiões com menor capacidade arrecadatória não sejam penalizadas. Experiências internacionais, como a do Canadá, mostram que esse tipo de mecanismo pode funcionar, desde que haja transparência e critérios claros de repartição.
4.1. PERSPECTIVAS FUTURAS
A Emenda Constitucional nº 132, de 2023, promulgada em dezembro de 2024, marcou o início de uma das mais significativas transformações no sistema tributário brasileiro nas últimas décadas. Essa reforma, que visa simplificar e modernizar a tributação sobre o consumo, está sendo implementada por meio de um processo gradual, cujas primeiras diretrizes de regulamentação estão previstas no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 (Brasil, 2024). O novo modelo, que substituirá o atual sistema fragmentado e complexo, passará por uma fase de transição cuidadosamente planejada, com mudanças efetivas começando em 2026 e consolidação total prevista para 2033, quando serão definitivamente extintos o ICMS e o ISS.
De acordo com a Agência Senado (2024), o núcleo da reforma reside na criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, composto por dois tributos distintos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), partilhado entre os estados, o Distrito Federal e os municípios. Essa estrutura busca harmonizar a tributação indireta, eliminando a sobreposição de impostos que hoje gera insegurança jurídica e custos excessivos para empresas e contribuintes. O modelo de IVA dual segue exemplos internacionais bem-sucedidos, que combinam a eficiência de um tributo único sobre o consumo com a preservação da autonomia federativa.
Além do IVA, a reforma introduz o Imposto Seletivo, que incidirá sobre produtos e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e combustíveis poluentes. Esse tributo possui uma finalidade não apenas arrecadatória, mas também regulatória, alinhando-se às tendências globais de tributação verde e incentivando comportamentos mais sustentáveis por parte de produtores e consumidores (Agência Senado, 2024).
O período de transição, que se estenderá de 2026 a 2033, foi concebido para permitir ajustes graduais e mitigar impactos negativos sobre a economia. Durante essa fase, os atuais ICMS e ISS coexistirão com os novos tributos, sendo progressivamente substituídos até sua extinção completa. Esse cronograma prolongado busca evitar rupturas bruscas, dando tempo para que empresas, governos estaduais e municipais, e a própria administração tributária se adaptem às novas regras (Agência Senado, 2024). A experiência internacional demonstra que transições bem-sucedidas em reformas tributárias, como as ocorridas no Canadá e na Índia, também adotaram prazos extensos para a consolidação das mudanças.
No entanto, o sucesso da reforma dependerá não apenas do desenho técnico do novo sistema, mas também da capacidade de coordenação entre os entes federativos e da eficiência na regulamentação. O PLP nº 68/2024, atualmente em discussão, precisará estabelecer critérios claros para a partilha do IBS entre estados e municípios, evitando conflitos e garantindo equilíbrio fiscal. Além disso, será fundamental fortalecer os mecanismos de fiscalização e integração de dados tributários, de modo a coibir a evasão e garantir a arrecadação.
A partir de 2026, terá início uma fase crucial de testes do novo modelo, quando a CBS e o IBS serão simulados em âmbito nacional. Nessa etapa preliminar, as empresas deverão destacar em suas notas fiscais valores correspondentes a 0,9% de CBS e 0,1% de IBS sobre as operações, embora esses tributos ainda não sejam efetivamente cobrados (Agência Senado, 2024). Esse mecanismo de simulação servirá como importante instrumento de diagnóstico, permitindo que a administração pública avalie a operacionalidade do sistema, identifique possíveis falhas e realize os ajustes necessários antes da implementação definitiva.
O ano de 2027 marcará o início efetivo das mudanças substanciais no sistema tributário. Nesse momento, entrará em vigor o Imposto Seletivo, que incidirá sobre produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, seguindo a tendência internacional de tributação regulatória. Paralelamente, ocorrerá a primeira grande extinção de tributos: PIS, Cofins, IOF/Seguros e a maioria das isenções do IPI (com exceção dos produtos industrializados na Zona Franca de Manaus) serão eliminados, dando lugar à cobrança efetiva da CBS federal (Agência Senado, 2024). Essa substituição representa um avanço significativo na simplificação do sistema, eliminando tributos cumulativos que historicamente oneraram a cadeia produtiva brasileira.
O processo de transição foi cuidadosamente planejado para preservar o equilíbrio fiscal, com os novos tributos sendo calibrados para manter o mesmo nível de arrecadação dos impostos que substituem. Essa preocupação com a neutralidade fiscal é fundamental para evitar desequilíbrios nas contas públicas durante o período de adaptação. No entanto, a implementação do IBS apresenta desafios adicionais em virtude de sua natureza compartilhada entre estados e municípios. Por essa razão, o IBS terá um cronograma mais extenso, coexistindo com o ICMS e o ISS por quatro anos antes de substituí-los definitivamente em 2033 (Agência Senado, 2024).
Essa fase de transição prolongada para o IBS reflete a complexidade inerente à harmonização de interesses federativos em um país com as dimensões e desigualdades regionais do Brasil. A necessidade de compatibilizar as legislações estaduais e municipais, estabelecer critérios equânimes de rateio e desenvolver sistemas de fiscalização integrados justifica a cautela no processo. A experiência internacional demonstra que reformas tributárias dessa magnitude exigem prazos dilatados para sua consolidação — o caso da Índia, que levou quase uma década para implementar seu GST (Goods and Services Tax), serve como referência importante (Agência Senado, 2024).
À medida que o sistema avança para sua consolidação em 2033, espera-se que os benefícios da reforma se tornem cada vez mais evidentes. A unificação dos tributos sobre o consumo sob o modelo de IVA dual promete reduzir significativamente os custos de compliance para as empresas, eliminar as distorções causadas pela guerra fiscal entre estados e criar um ambiente mais previsível para os investimentos. Contudo, o sucesso dessa transição dependerá fundamentalmente da capacidade de coordenação entre os entes federativos, da eficiência na regulamentação complementar e da construção de consensos políticos que garantam a estabilidade do novo sistema tributário brasileiro.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A complexidade do sistema tributário brasileiro, com destaque para as particularidades do ICMS, há décadas se apresenta como um dos principais entraves ao desenvolvimento econômico e à justiça fiscal no país. A recente reforma tributária, materializada na Emenda Constitucional nº 132/2023 e em processo de regulamentação pelo PLP nº 68/2024, surge como resposta a esses desafios históricos, propondo transformações profundas que merecem uma análise cuidadosa quanto aos seus potenciais impactos e desafios de implementação.
O ICMS, principal tributo estadual sobre a circulação de mercadorias, sempre foi um símbolo da complexidade tributária brasileira. Sua natureza não cumulativa, embora virtuosa em tese, perdeu-se na prática em um emaranhado de alíquotas interestaduais divergentes, regimes especiais e benefícios fiscais desconexos. Essa fragmentação gerou distorções econômicas significativas, desde a chamada "guerra fiscal" entre estados até a cumulatividade velada que onera as cadeias produtivas. A reforma em curso, ao propor a substituição gradual do ICMS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em modelo de IVA dual, enfrenta corajosamente esses problemas estruturais.
A transição para o novo sistema, programada para ocorrer entre 2026 e 2033, representa um dos maiores desafios de política econômica das últimas décadas. O período de testes inicial, com a simulação de alíquotas reduzidas de CBS e IBS a partir de 2026, demonstra a prudência dos formuladores da reforma em evitar rupturas bruscas. Essa fase de adaptação será crucial para identificar e corrigir eventuais falhas operacionais antes da implementação definitiva. A extinção progressiva de tributos como PIS, Cofins e IPI (com exceção da Zona Franca de Manaus), a partir de 2027, concomitante à introdução do Imposto Seletivo, marca o início das mudanças substantivas no sistema.
O modelo de IVA dual adotado — com a CBS de competência federal e o IBS compartilhado entre estados e municípios — busca equilibrar a necessária unificação nacional com o respeito ao pacto federativo. Essa solução híbrida tenta conciliar a eficiência de um imposto único sobre o consumo com a autonomia financeira dos entes subnacionais, um dilema enfrentado por diversos países federativos em suas reformas tributárias. A experiência internacional, desde o GST indiano até o VAT canadense, sugere que esse equilíbrio é possível, mas exige mecanismos robustos de compensação e cooperação intergovernamental.
A introdução do Imposto Seletivo representa outro avanço conceitual importante, alinhando o sistema tributário brasileiro às melhores práticas internacionais de tributação regulatória. Ao onerar produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, esse tributo cumpre dupla função — arrecadatória e de política pública — incentivando mudanças de comportamento tanto por parte dos produtores quanto dos consumidores. Essa inovação contrasta positivamente com a atual estrutura do ICMS, que frequentemente tributa de forma indiferenciada bens essenciais e supérfluos.
A reforma tributária em curso no Brasil, com a gradual substituição do ICMS pelo IBS, representa uma transformação profunda no sistema fiscal brasileiro. No entanto, mesmo diante dessas mudanças estruturais, a complexidade do modelo atual — especialmente no que diz respeito ao ICMS — ainda exige soluções imediatas para garantir a segurança jurídica e a eficiência na arrecadação, sobretudo em estados como o Acre, onde as particularidades regionais e a limitada capacitação técnica de pequenos e médios contribuintes podem amplificar os desafios no cumprimento das obrigações tributárias.
Diante desse cenário, a elaboração de um manual prático sobre o ICMS no Acre surge como uma medida complementar essencial, que visa preencher lacunas informativas e operacionais durante o período de transição até a plena implementação da reforma. Esse material serviria não apenas como um guia claro e acessível para os contribuintes locais, mas também como um instrumento de educação fiscal, reduzindo erros involuntários e mitigando os riscos de autuações por desconhecimento da legislação. A importância dessa iniciativa se torna ainda mais evidente quando se analisam os impactos negativos do descumprimento involuntário das obrigações fiscais: multas pesadas, juros acumulados e, em casos extremos, a inviabilização de negócios que não conseguem arcar com os custos de regularização tardia.
Um manual bem estruturado teria o potencial de esclarecer, de forma didática, desde as regras básicas de incidência do ICMS no Acre até as especificidades relacionadas a operações interestaduais, diferimentos e benefícios fiscais aplicáveis no estado. Ao abordar também as penalidades previstas em caso de descumprimento — como multas por atraso na entrega de declarações ou erro no cálculo do imposto —, o material contribuiria para uma cultura de prevenção, em vez da remediação de falhas já consolidadas.
Essa abordagem proativa é especialmente relevante para micro e pequenas empresas, que muitas vezes não possuem departamentos contábeis especializados e dependem de informações claras para evitar passivos tributários inadvertidos.
Por fim, a implementação de um guia prático alinhado às necessidades do Acre não apenas facilitaria a adaptação das empresas ao atual sistema do ICMS, mas também prepararia o terreno para a futura transição ao IBS. Ao estabelecer padrões claros de organização e transparência, o estado estaria construindo as bases para um ambiente de negócios mais previsível e menos burocrático, beneficiando tanto o fisco — com maior eficiência arrecadatória — quanto os empreendedores, que ganhariam em segurança jurídica e redução de custos indiretos.
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Como citar esse artigo:
SILVA, Alynni Kelly Domingos da; TOLENTINO, Eneias Duarte; CASTRO, Antonio Alceste Callil de. ICMS e a Reforma Tributária no Brasil: Propostas para um sistema fiscal mais eficiente. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.3, n.1, 2025; p. 137-162. ISSN 2965976-0 | D.O.I.: doi.org/10.59283/unisv.v3n2.009
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