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Dorisney Bastos de Souza

AVALIAÇÃO E EXCLUSÃO: O NEOLIBERALISMO E SEUS EFEITOS NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DA AMAZÔNIA

EVALUATION AND EXCLUSION: NEOLIBERALISM AND ITS EFFECTS ON EDUCATIONAL POLICIES IN THE AMAZON

 

Informações Básicas

  • Revista Qualyacademics v.2, n.4

  • ISSN: 2965-9760

  • Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).

  • Recebido em: 02/09/2024

  • Aceito em: 02/09/2024

  • Revisado em: 02/09/2024

  • Processado em: 02/09/2024

  • Publicado em: 03/09/2024

  • Categoria: Estudo de Revisão


 




Como referenciar esse artigo, Souza e Pereira (2024):


SOUZA, Dorisney Bastos de; PEREIRA, Guilherme do Nascimento. Avaliação e exclusão: o neoliberalismo e seus efeitos nas políticas educacionais da Amazônia. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 4, 2024; p. 331-345. ISSN: 2965-9760| DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n4.024



Autores:


Dorisney Bastos de Souza

Mestranda em Educação da Universidade Estácio de Sá -PPGE/Unesa. E-mail: dorisbastos01@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0009-0003-1501-7526.

                                                                        

Guilherme do Nascimento Pereira

Doutor em Educação – ProPEd/UERJ, Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estácio  de  Sá – PPGE/UNESA.  E -mail:  pereira.guilherme@estacio.br.  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5633-4670.

 




RESUMO


Este artigo examina a influência das políticas neoliberais nas avaliações em larga escala no contexto educacional da Amazônia, com foco no Sistema de Avaliação do Desempenho Educacional do Amazonas (SADEAM). A partir de uma abordagem qualitativa, essa pesquisa explora como a ideologia neoliberal, que se consolidou no Brasil a partir da década de 1990, moldou as políticas educacionais e suas implicações para a qualidade da educação. O texto discute, a partir de uma pesquisa bibliográfica, a expansão das avaliações em larga escala, originalmente concebidas para monitorar e melhorar a qualidade educacional, mas que, sob a lógica neoliberal, têm levado à padronização e quantificação do ensino, frequentemente desconsiderando as particularidades regionais e culturais. A análise destaca como essas avaliações podem intensificar desigualdades educacionais e sociais, especialmente em uma região complexa como a Amazônia, onde as condições geográficas e socioeconômicas apresentam desafios únicos. O estudo critica a aplicação do SADEAM, evidenciando a disparidade nas condições de ensino entre áreas urbanas e rurais, e questiona a eficácia das políticas baseadas em dados quantitativos para promover uma educação equitativa e inclusiva. O artigo conclui com a necessidade urgente de repensar as políticas de avaliação, para que sejam mais sensíveis às realidades locais e promovam uma educação de qualidade que valorize a diversidade e o bem-estar coletivo.

 

Palavras-chave: Neoliberalismo; Avaliação em larga escala; SADEAM.


 

ABSTRACT

 

This article examines the influence of neoliberal policies on large-scale assessments within the educational context of the Amazon, focusing on the Educational Performance Assessment System of Amazonas (SADEAM). Using a qualitative approach, this research explores how neoliberal ideology, which became entrenched in Brazil in the 1990s, has shaped educational policies and their implications for the quality of education. The text discusses, through a bibliographic review, the expansion of large-scale assessments, which were originally designed to monitor and improve educational quality but have, under neoliberal logic, led to the standardization and quantification of teaching, often disregarding regional and cultural particularities. The analysis highlights how these assessments can intensify educational and social inequalities, particularly in a complex region like the Amazon, where geographical and socioeconomic conditions present unique challenges. The study critiques the application of SADEAM, highlighting the disparity in teaching conditions between urban and rural areas, and questions the effectiveness of policies based on quantitative data in promoting equitable and inclusive education. The article concludes with an urgent call to rethink assessment policies to make them more sensitive to local realities and to promote quality education that values diversity and collective well-being.

 

Keywords: Neoliberalism; Large-scale assessment; SADEAM.

 

 

1. INTRODUÇÃO

                                                       

O neoliberalismo, consolidado no Brasil a partir da década de 1990, especialmente durante os governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, é marcado pela diminuição da atuação estatal. Esse modelo promoveu a privatização de empresas públicas, incentivou a competição entre corporações e flexibilizou as normas de mercado, com o objetivo de ampliar a liberdade econômica. Para Silva Santos et al (2024), a ideologia neoliberal, além de moldar as políticas econômicas com foco no capital financeiro, serve para individualizar os problemas sociais e exaltar uma noção restrita de liberdade individual. Assim, essa concepção, que a extrema direita abraça, não apenas reduz a liberdade ao âmbito das relações contratuais entre capital e trabalho, mas também desconsidera os aspectos sociais e coletivos.


A adoção de políticas neoliberais incide sobre vários setores, com destaque para o educacional, fato que acarreta diversas mudanças no cotidiano escolar. Nesse contexto, ocorre a expansão de aplicações das avaliações em larga escala, cujo objetivo, a princípio, é fornecer dados sobre a qualidade da educação e subsidiar tomadas de decisão sobre políticas públicas. Entretanto, vale ressaltar, que as avaliações em larga escala resultam da influência da lógica neoliberal a qual propugna a quantificação e a padronização do processo educativo em conformidade com os princípios do mercado. Para Brown (2019), o aspecto social é comprometido em nome da liberdade econômica e da moralidade, como se a existência fosse moldada exclusivamente pela genética, pela responsabilidade individual e pela competição segundo uma lógica mercadológica.


De acordo com Freire (2017), o problema que se coloca não diz respeito a ficar contra a avaliação, mas resistir a métodos silenciadores com os quais ela se realiza. Seguindo esse viés, as avaliações nunca são imparciais ou desprovidas de sentidos subjacentes, elas são marcadas ideologicamente e nelas podem-se identificar valores e propósitos específicos.


Nesse cenário, a ampliação, o aperfeiçoamento e a consolidação das avaliações de larga escala, um dos eixos da educação contemporânea, refletem as demandas por maior accountability e a busca por indicadores, assim, o controle do trabalho docente e a indução curricular. De acordo com Bauer (2020), embora nem toda conformação curricular seja negativa, porque, às vezes, ela surge para assegurar direitos de alunos, é necessário discutir o que leva a essa conformação e as possíveis desvantagens dessa redução.


Além disso, a meritocracia, a concorrência, as premiações por alcance de resultados e o rankeamento das escolas são outros fatores diretamente ligados não somente às reformas educacionais que ocorreram no contexto de implementação das políticas neoliberais, mas também às avaliações de larga escala. Um exemplo disso é o “Prêmio escola de Valor[1]”, recurso concedido pelo governo do Estado do Amazonas, às escolas que alcançaram ou superaram o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).


Ravitch (2010, p. 253), “quaisquer ganhos nos indicadores de testes que sejam resultados apenas de incentivos não significam nada, pois os ganhos que são comprados com dinheiro são fugazes e nada têm a ver com a verdadeira educação”. No contexto amazônico, onde as escolas enfrentam desafios únicos, como o isolamento geográfico e a falta de recursos básicos, políticas que premiam apenas o desempenho em avaliações de larga escala podem agravar a exclusão educacional. Em vez de incentivar melhorias estruturais e pedagógicas, esses sistemas de premiação promovem uma visão estreita de sucesso escolar, desvalorizando práticas educativas que, embora não resultem em aumentos imediatos de indicadores, são essenciais para uma formação cidadã plena e significativa. Segundo BALL (2001, p.18),


[...] no contexto deste novo ambiente moral, o/a estudante é cada vez mais mercantilizado. Cada estudante é posicionado/a e avaliado/a de uma forma diferente no mercado educacional, ou seja, o processo de competição institucional no mercado apela a uma “economia do valor do/a estudante”.

 

Nessa lógica, observa-se a transformação do sistema educacional sob a influência de princípios mercadológicos, situação em que os alunos são avaliados de acordo com a forma como posicionam ou competem no mercado.


Outra problemática é o negligenciamento relacionado ao aspecto cultural. A busca por resultados homogêneos ignora a especificidade de determinados contextos escolares, a exemplo de escolas da Amazônia que recebem alunos haitianos e venezuelanos há alguns anos além da presença de alunos indígenas que integram diversos espaços escolares nessa região. Silva Machado et al (2022, p.966) consideram


A política de avaliação em larga escala, como parte integrante do projeto civilizatório da modernidade (capitalismo, colonialismo e primeiro sistema-mundo), ao mesmo tempo sustenta e é sustentada pela naturalização de assimetrias, hierarquias e desigualdades (territoriais, raciais, epistêmicas, culturais e de gênero).

 

No entanto, no discurso dos grandes defensores desse modelo de avaliação, sobressai-se a ideia de promoção e de melhoria contínua do sistema educacional, incentivando as escolas e os educadores a se concentrarem no desenvolvimento e no avanço dos alunos. Porém, o que se tem visto são tentativas de privatização do sistema educacional conforme tem ocorrido no Paraná e no Amazonas[2].


Assim, visando aprofundar o debate  busca-se analisar a conjuntura neoliberal em que foram implementadas as avaliações em larga escala, o cenário amazônico em que são aplicadas esse modelo de avaliação bem como os impactos para essa região. Além de discorrer sobre o Sistema de Avaliação do Desempenho Educacional do Amazonas, sistema de avaliação cujo propósito central  é avaliar e acompanhar a qualidade do ensino nas escolas da rede pública do estado do Amazonas, utilizando avaliações padronizadas para esse fim. Sem a intenção de exaurir o tema, almeja-se proporcionar uma reflexão crítica acerca das implicações dessas políticas no contexto amazônico, destacando os desafios que se manifestam nesse contexto.

 

2. EVOLUÇÃO DA AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA NO BRASIL: IMPACTOS, DESAFIOS E INFLUÊNCIAS NEOLIBERAIS

 

A avaliação em larga escala, no Brasil, tem suas origens em um contexto paradoxal embasado, por um lado, pelos esforços para monitorar e melhorar a qualidade da educação, como uma resposta à necessidade de dados concretos que podem orientar políticas públicas e investimentos educacionais e, por outro, pela lógica neoliberal que privilegia a eficiência, a competitividade, a responsabilização de alunos e professores sem considerar as desigualdades existentes, o contexto cultural e as necessidades individuais dos alunos. Para Freire (2015, p. 9), apesar do paradoxo, “em sociedades cuja dinâmica estrutural conduz à dominação de consciência, a pedagogia dominante é a pedagogia das classes dominantes”.

           

A história da avaliação de larga escala no Brasil começou a tomar forma na década de 1980, em um contexto de redemocratização e reforma do sistema educacional. O governo, buscando modernizar a educação e promover a equidade, reconheceu a necessidade de criar mecanismos que permitissem medir o desempenho dos alunos em todo o país. Nessa perspectiva,


De  modo  a  ampliar  as  informações  disponíveis  sobre  a educação, incorporando, então, mais elementos em torno do processo de aprendizagem do alunado, a Fundação Carlos Chagas foi contratada, em 1987, pelo INEP para a realização do estudo “Avaliação do Rendimento dos Alunos de Escola do 1º Grau da Rede Pública: Um Estudo em 15 Capitais e 24 Cidades”. A própria fundação estendeu este estudo no ano seguinte, com o Governo do Estado do Paraná, e acrescentou 29 cidades ao estudo (Fernandes; Gremaud, 2020, p. 1114).

 

Em 1990, foi criado o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que marcou um ponto de virada significativo na história da avaliação educacional no Brasil. O Saeb foi concebido como um instrumento para avaliar o desempenho dos alunos em diferentes níveis de ensino e em várias disciplinas, incluindo Língua Portuguesa e Matemática. A ideia central era utilizar os dados obtidos para subsidiar a formulação de políticas educacionais, promover a equidade e melhorar a qualidade do ensino. Silva, Almeida e Santos (2022. p.9) informam que para se adequar às exigências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2019, o Saeb passou a avaliar “os componentes curriculares das áreas de Ciências da Natureza e Ciências Humanas no 9º ano”.

           

No início dos anos 2000, a avaliação de larga escala ganhou ainda mais importância com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2007. De acordo com o Inep (2024), “as médias de desempenho dos estudantes, apuradas no Saeb, juntamente com as taxas de aprovação, reprovação e abandono, apuradas no Censo Escolar, compõem o Ideb”. Esse índice passou a ser utilizado como uma ferramenta central para monitorar o progresso educacional e estabelecer metas de melhoria para escolas e redes de ensino em todo o país.

           

Além do SAEB, outras avaliações de larga escala foram implementadas ao longo dos anos, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), criado em 1998. O ENEM, inicialmente projetado como um exame de certificação de conclusão do ensino médio, evoluiu para se tornar a principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

           

A implementação dessas avaliações também trouxe desafios e críticas. Uma das principais preocupações é que o foco excessivo em resultados quantitativos pode levar à padronização do ensino, com escolas e professores sentindo-se pressionados a “ensinar para o teste” em vez de promover um aprendizado mais amplo e significativo. Nessa perspectiva, ao deixar em segundo plano as necessidades de aprendizagem, desenvolvimento e afetividade dos educandos, as avaliações de larga escala têm provocado um efeito perverso no interior das escolas  (Silva; Almeida; Santos, 2022).

           

Além disso, as desigualdades regionais e socioeconômicas podem distorcer os resultados, refletindo mais as condições externas do que a qualidade real da educação oferecida. Nesse sentido, para Dourado e Siqueira (2019, p. 302) “a crítica à desigualdade social é uma tarefa da educação democrática e emancipatória.” No entanto, é necessário afirmar que a racionalidade neoliberal permeia instituições, como as escolas, por meio de políticas, em confronto com as demandas contextuais (Almeida; Bezerra; Lins, 2023).

           

Apesar das críticas, a avaliação de larga escala consolidou-se como um componente essencial das políticas educacionais no Brasil, fornecendo dados importantes para a gestão do sistema educacional e incentivando a busca por melhorias contínuas. Hoje, essas avaliações continuam a desempenhar um papel crucial na formulação de políticas públicas, influenciando debates sobre equidade, qualidade e eficiência na educação brasileira.

 

3. REFLEXOS DO NEOLIBERALISMO E AS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA NA AMAZÔNIA

 

A lógica neoliberal, com sua ênfase na competitividade e economia de livre mercado, tem influenciado profundamente diversas esferas da vida social, incluindo a elaboração de políticas educacionais. Nessa perspectiva, segundo Idalino e Andrade (2021), o Estado adota novas responsabilidades as quais demandam uma maior eficiência na execução de políticas públicas educacionais a fim de que gerem resultados alinhados às expectativas do mercado.


Embora boa parte dessas medidas educacionais sejam implementadas em todo o território nacional, elas apresentam consequências particularmente complexas e, por vezes, acentuadamente problemáticas na Amazônia. Esta seção explora os reflexos do neoliberalismo nas avaliações em larga escala na Amazônia e destaca desafios implicações para a educação nessa região.


Na Amazônia, uma região marcada por vastas diferenças socioeconômicas, culturais e geográficas, a aplicação de algumas políticas educacionais neoliberais se revela desafiadoras. A implementação de avaliações em larga escala em uma região tão singular e complexa, por exemplo, levanta questões sobre a adequação dessas políticas às realidades locais e seus impactos sobre os estudantes, professores e comunidades. Conforme Frota, Macedo e Reis (2021), as avaliações em larga escala transformam-se em uma ferramenta de pressão, monitoramento, controle e responsabilização dos indivíduos, tornando-se um fator central na determinação da qualidade, do sucesso ou do fracasso educacional.


A Amazônia, que ocupa cerca de 60% do território brasileiro, é uma região mais diversas país, tanto em termos ambientais quanto culturais. Sua vastidão geográfica, que inclui florestas densas, rios caudalosos e comunidades isoladas, apresenta dificuldades únicas para a implementação de políticas públicas, incluindo as educacionais. Além disso, muitas escolas na região enfrentam condições precárias, como falta de recursos básicos, dificuldade com eletricidade, água potável e materiais didáticos. Ademais, o acesso à internet, que é fundamental para a preparação e aplicação de avaliações como o Enem e Saeb, é extremamente limitado em muitas áreas. Essas condições dificultam a preparação dos alunos e comprometem o resultado das avaliações em larga escala.


Outrossim, na Amazônia é possível encontrar uma rica diversidade cultural que inclui um grande número de comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas. Muitas comunidades possuem sua própria língua[3], cultura e práticas educativas tradicionais.  Além disso, a crise humanitária ocorrida no Haiti e na Venezuela levou parte da população desses países migrarem para Amazônia.


Hodiernamente, nas escolas públicas, especialmente das cidades de Boa Vista e Manaus, estudam vários alunos oriundos desses países. Para Gatti e Bernadete (2021 p.163)

 

A abordagem para cada região em sua condição social, econômica e cultural envolveria atuações específicas em contextos como: imediações urbanas convivendo com desemprego estrutural; favelas, comunidades, em que o trabalho informal e o desemprego são endêmicos; proximidade de monoculturas, com maior desocupação pela mecanização e com problemas ambientais; comunidades urbanas submetidas ao crime organizado ou a milícias armadas; aldeias indígenas em região florestal disputada por grileiros e garimpeiros; outras situações que sejam identificadas pelos estudos existentes ou outros estudos preliminares a possíveis planejamento e implementação de ações.

 

Entretanto, as avaliações em larga escala, que são padronizadas e baseadas em um currículo nacional, muitas vezes desconsideram essa diversidade. Isso pode levar a uma educação que não é relevante para os alunos dessas comunidades e que ignora os conhecimentos e valores locais. Contudo, para Dourado e Siqueira (2019), as políticas educacionais devem valorizar e reconhecer a diversidade cultural.


As grandes distâncias geográficas na Amazônia também representam um obstáculo significativo. Em muitas áreas, as escolas estão localizadas a horas de distância das comunidades, exigindo longas viagens diárias ou até mesmo o deslocamento dos alunos para centros urbanos. Isso não só dificulta o acesso à educação, mas também afeta a capacidade dos estudantes de se prepararem adequadamente para as avaliações. Em alguns casos, a dificuldade de acesso é tamanha que as escolas enfrentam problemas para garantir que todos os alunos participem das avaliações em larga escala. Dessarte, Frota, Macedo e Reis (2021) asseveram que as avaliações em larga escala, ao desconsiderarem as particularidades do contexto escolar relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem, podem impedir o desenvolvimento de oportunidades emancipadoras ou transformar-se em um instrumento que acentua as desigualdades educacionais e sociais.


Apesar de todos esses aspectos regionais, os resultados das avaliações em larga escala têm sido, há anos, usados como um indicador de sucesso ou fracasso das políticas educacionais sem considerar as desigualdades e os aspectos específicos de cada região. Esses aspectos refletem a necessidade de repensar as políticas públicas voltadas para a região Amazônica, nesse caso considerando a participação dos povos dessa região.

 

4. AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA CRIADAS PELO GOVERNO DO AMAZONAS  

 

A criação de avaliações em larga escala pelos estados amazônicos visa suprir a necessidade de dados específicos que reflitam as realidades locais. Ao contrário das avaliações nacionais, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), essas avaliações estaduais podem ser adaptadas para considerar as particularidades regionais, oferecendo uma visão mais detalhada dos desafios enfrentados pelos estudantes e escolas da Amazônia. Entretanto, essas avaliações


[...] estaduais e municipais no âmbito da educação nos apresenta uma complexa teia de parâmetros, instrumentos e resultados que incidem necessariamente sobre o cotidiano de professores, crianças, jovens e adultos, gestores e funcionários de todas as áreas na escola e, sobretudo incidem sobre a relação pedagógica no interior da sala de aula (Silva; Almeida; Santos, 2022, p. 10).

 

O Estado do Amazonas criou, em 2008, o Sistema de Avaliação do Desempenho Educacional do Amazonas (SADEAM), que também focar na avaliação de competências fundamentais e busca orientar políticas públicas baseadas em evidências. avaliações são aplicadas anualmente e envolvem estudantes de várias séries, desde o ensino fundamental até o médio. Contudo Silva, Almeida e Santos (2022) informam que a partir de 2015, as avaliações do SADEAM deixaram de ser realizadas, e o Governo do Amazonas não apresentou explicações para a suspensão das provas. O SADEAM foi retomado somente em 2019, mas até o momento, não foram publicados novos resultados.


A estrutura das provas do SADEAM é baseada em matrizes de referência, que definem as habilidades e competências que devem ser avaliadas em cada disciplina. Essas matrizes são alinhadas com os currículos nacionais e estaduais, garantindo que as provas reflitam os conteúdos que os alunos deveriam ter aprendido ao longo do ano letivo. No entanto, a aplicação das provas exige uma logística complexa, especialmente devido às características geográficas do Amazonas, que incluem áreas remotas de difícil acesso. Desse modo, a estratégia política do Estado do Amazonas em relação ao sistema de avaliação tem adotado a mesma abordagem dos mecanismos internacionais de avaliação em larga escala, com o objetivo de aprimorar os resultados de aprendizado relacionados às competências e habilidades requisitadas pelo mercado de trabalho (Silva; Sampaio; Cunha, 2020).


Outrossim, o SADEAM tem sido alvo de críticas recorrentes em relação à desigualdade nas condições de ensino entre as escolas do estado. A ampla diversidade geográfica do Amazonas, que abrange desde grandes centros urbanos até comunidades indígenas isoladas, acentua as disparidades no acesso a recursos educacionais. Enquanto escolas localizadas em áreas urbanas, como Manaus, contam com infraestrutura moderna, laboratórios e bibliotecas bem equipadas, escolas em áreas rurais e indígenas enfrentam desafios como falta de energia elétrica, água potável, além de escassez de professores qualificados e materiais didáticos adequados. De acordo com Serudo (202, p. 68),


Durante o período de cheia grande que atinge seu ápice no mês de junho as ruas que circundam a escola ficam inundadas, sendo necessário construir maromba (pontes de madeiras elevadas do solo), mesmo com essa paisagem peculiar, anfíbia, o calendário escolar vigora plenamente, tendo os alunos que se adaptar a subida das águas.

 

Essa disparidade nas condições de ensino compromete a equidade das avaliações do SADEAM, pois os resultados tendem a penalizar as escolas com menos recursos, reforçando um ciclo vicioso de desigualdade e exclusão. Ao invés de medir a qualidade do ensino, as avaliações podem estar, na verdade, reforçando as desigualdades sociais e econômicas existentes. Essa situação levanta questionamentos importantes sobre a validade e a justiça de utilizar um único instrumento de avaliação para medir o desempenho de escolas em realidades tão distintas, e sobre as consequências dessas avaliações para as políticas públicas e para as comunidades escolares.


Outra crítica ao SADEAM relaciona-se à concentração excessiva em dados quantitativos como principal indicador da qualidade educacional. Embora essas informações sejam importantes para a formulação de políticas, eles não conseguem capturar a totalidade e a complexidade do processo educativo o que pode induzir a uma visão distorcida da realidade educacional. As contradições nos processos de elaboração e implementação das políticas de avaliação educacional refletem as características sociais de uma sociedade fundamentada na classificação e na desigualdade social (Cunha; Silva, 2023).


Outra questão a ressaltar diz respeito a efetividade de suas ações a longo prazo. A despeito de identificar problemas, a implementação de políticas públicas e intervenções pedagógicas baseadas nos resultados das avaliações tem sido limitada. Essa lacuna pode ser atribuída à escassez de recursos e à complexidade de promover mudanças significativas em um estado com a diversidade geográfica e socioeconômica do Amazonas. A lógica da política neoliberal busca reduzir, ainda que de forma parcial, a responsabilidade do Estado nas questões sociais e fomentar uma competição crescente entre os Estados Nacionais e os agentes internacionais pelo desenvolvimento social e educacional (Serudo, 2022).


Ademais, a sustentabilidade das políticas implementadas com base no SADEAM é questionável. Sem um acompanhamento sistemático e o provisionamento de recursos adequados, muitas iniciativas podem não alcançar os resultados esperados ou serem interrompidas precocemente. De acordo com Serudo (2022) uma política pública que não atende às necessidades socioeducacionais da população contribui para um crescente afastamento dos objetivos educacionais voltados para o bem-estar coletivo, transformando-se em um desafio social.


Assim, as críticas ao SADEAM destacam a necessidade de repensar e adaptar o sistema de avaliação para que ele seja mais inclusivo, equitativo e sensível às realidades locais. Embora as avaliações em larga escala possam fornecer dados valiosos, elas devem ser complementadas por políticas que abordem as desigualdades estruturais e reconheçam a diversidade cultural e linguística do estado. Somente por meio de uma abordagem mais contextualizada será possível promover uma educação de qualidade para todos os estudantes do Amazonas.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

           

Este estudo visou analisar as avaliações de larga escala e suas implicações dentro do contexto das reformas educacionais, destacando as consequências derivadas de um modelo influenciado por princípios neoliberais. A avaliação desempenha um papel fundamental no acompanhamento do processo de aprendizado, proporcionando meios para investigar, mediar e fomentar o desenvolvimento educacional (Frota; Macedo; Reis, 2021). No entanto, o modelo de avaliação em larga escala, ao adotar uma abordagem centralizadora, tende a promover uma educação padronizada que pode desconsiderar as diversidades e desigualdades regionais.


A influência do neoliberalismo na educação brasileira, evidenciada pela expansão das avaliações em larga escala, tem resultado na imposição de um padrão que valoriza a competitividade e a eficiência sobre as especificidades locais e contextuais. Esta dinâmica tem sido particularmente problemática na Amazônia, onde a vasta diversidade geográfica e cultural cria desafios únicos para a aplicação de políticas educacionais uniformizadas.


A análise do Sistema de Avaliação do Desempenho Educacional do Amazonas (SADEAM) ilustra como, apesar da intenção de melhorar a qualidade da educação, a implementação dessas avaliações pode acirrar as desigualdades existentes e ignorar as condições particulares das escolas em áreas remotas e com poucos recursos. As críticas apontam para a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e adaptada às realidades locais, que reconheça e valorize a diversidade cultural e as especificidades regionais.


É imperativo, portanto, reconsiderar e adaptar o sistema de avaliações para que ele possa efetivamente contribuir para uma educação equitativa e de qualidade. A promoção de uma cultura educacional que integre as realidades e necessidades específicas dos contextos locais, ao mesmo tempo em que busca a melhoria contínua dos processos educativos, é essencial para garantir a justiça e a inclusão no sistema educacional. Assim, a reflexão crítica e a revisão das práticas de avaliação são fundamentais para a construção de um modelo educacional que verdadeiramente valorize o desenvolvimento integral dos estudantes e a promoção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

           

6. REFERÊNCIAS

 

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TRAVITZKI, R. Qual é o grau de incerteza do Ideb e por que isso importa? Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 28, n. 107, p. 500–520, abr. 2020.


[1] Atualmente o Prêmio “Escola de Valor” é regulamentado pela Instrução normativa N° 01/2014 de 23 de abril de 2014 (SEDUC, 2024). 

[2] É possível encontra maiores esclarecimentos em: file:///C:/Users/doris/OneDrive/%C3%81rea%20de%20Trabalho/EDITAL_08.07.2024.%20privatiza%C3%A7%C3%A3o.pdf

[3] A Lei Estadual 6.303/23 reconheceu 16 línguas indígenas como patrimônio imaterial cultural do Amazonas (Amazonas, 2023).

 

 

 

 

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publicação de artigo científico

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Como citar esse artigo:


SOUZA, Dorisney Bastos de; PEREIRA, Guilherme do Nascimento. Avaliação e exclusão: o neoliberalismo e seus efeitos nas políticas educacionais da Amazônia. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 4, 2024; p. 331-345. ISSN: 2965-9760| DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n4.024


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