A RELEVÂNCIA DA ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NO ÂMBITO JUDICIÁRIO
- Maria Leonice Leonço Ramos Rocha
- 9 de jun.
- 21 min de leitura
THE RELEVANCE OF THE SOCIAL WORKER'S ROLE IN THE JUDICIAL SYSTEM
Informações Básicas
Revista Qualyacademics v.3, n.2
ISSN: 2965976-0
Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).
Recebido em: 22/05/2025
Aceito em: 23/05/2025
Revisado em: 28/05/2025
Processado em: 02/06/2025
Publicado em: 09/06/2025
Categoria: Estudo de Caso
Como citar esse material:
ROCHA, Maria Leonice Leonço Ramos; ROCHA, Haryéle Ramos; ROCHA, Silvia Cristiane Galvão Ferreira. A relevância da atuação do assistente social no âmbito judiciário. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.3, n.1, 2025; p. 108-123. ISSN 2965976-0 | D.O.I.: doi.org/10.59283/unisv.v3n2.007
Autores:
Maria Leonice Leonço Ramos Rocha
Graduada em Serviço Social, Universidade Anhanguera - UNIDERP, Pós-Graduada em Gestão do SUAS – Sistema Único da Assistência Social, Universidade Cândido Mendes. Atualmente, atua como Assistente Social no Centro de Referência da Assistência Social – CRAS. – Contato: nice7quedas@hotmail.com
Haryéle Ramos Rocha
Graduada em Direito, Universidade da Gran Dourados - UNIGRAN, Pós-Graduada em Direito Imobiliário e Especialista em Direito Cível e Sucessões. – Contato: haryeleramos@gmail.com
Silvia Cristiane Galvão Ferreira Rocha
Graduada em Serviço Social, Universidade Anhanguera - UNIDERP, Pós-Graduada em Educação. – Contato: crisgf18@gmail.com
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RESUMO
O artigo tem como objetivo analisar as atribuições e a relevância da atuação do assistente social no âmbito do Poder Judiciário, destacando os principais instrumentais técnicos utilizados na prática profissional. A justificativa baseia-se na crescente demanda por intervenções sociais qualificadas nas esferas judiciais, evidenciando a necessidade de uma atuação ética e comprometida com os direitos humanos. A metodologia adotada foi a pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa, utilizando obras de referência e documentos institucionais do CFESS e CRESS. Os principais resultados apontam que a atuação do assistente social é fundamental para a efetivação de direitos e a promoção da cidadania, sendo responsável por estudos, laudos e pareceres sociais que subsidiam decisões judiciais, além de desenvolver mediações, orientações e encaminhamentos, sempre embasado em princípios ético-políticos e técnico-metodológicos próprios da profissão.
Palavras-chave: Assistente social; Âmbito Judiciário; Instrumentais técnicos.
ABSTRACT
The article aims to analyze the duties and the relevance of the social worker’s role within the Judiciary, highlighting the main technical tools used in professional practice. The justification lies in the growing demand for qualified social interventions in judicial spheres, demonstrating the need for an ethical approach committed to human rights. The methodology adopted was bibliographic research with a qualitative approach, using reference works and institutional documents from CFESS and CRESS. The main findings indicate that the role of the social worker is essential for the realization of rights and the promotion of citizenship, being responsible for conducting social studies, reports, and expert opinions that support judicial decisions, in addition to carrying out mediation, guidance, and referrals—always based on the ethical-political and technical-methodological principles of the profession.
Keywords: Social worker; Judicial system; Technical tools.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo propôs-se a aprofundar os debates em torno da relevância da atuação do assistente social no âmbito jurídico brasileiro, destacando a importância histórica, metodológica e ética dessa prática profissional. A área sociojurídica sempre representou um campo fértil para a inserção do Serviço Social, especialmente em temáticas relacionadas à infância e à juventude. Inicialmente, os assistentes sociais atuavam na promoção de condições que garantissem a preservação física e moral de crianças e adolescentes, papel que evoluiu para uma atuação estreitamente vinculada à aplicação da lei e às normas que regulam o comportamento desses sujeitos, sobretudo em contextos de vulnerabilidade social.
A consolidação do Serviço Social como profissão no Brasil remonta a 1937, mas seu reconhecimento efetivo ocorreu apenas com a emergência de políticas públicas voltadas ao enfrentamento das questões sociais sob a ótica do Direito. Essas políticas, ao buscarem maior eficácia nas respostas sociais, passaram a demandar estratégias interdisciplinares, nas quais o Serviço Social assumiu um papel de mediação e intervenção qualificada. A promulgação da Constituição Federal de 1988 constituiu um marco decisivo nesse processo, ao expandir o campo dos direitos sociais e consagrar, do ponto de vista jurídico e formal, uma nova concepção de justiça social. Conforme destacam Gomes e Resende (2001, p. 127), “[...] ao menos constitucional e formalmente estão colocados alguns elementos que apontam para a possibilidade de conciliação entre direito e lei, relativa à justiça social frente àqueles que sempre estiveram à margem de uma proteção social pública”.
Nesse contexto, o Serviço Social passa a exercer um papel central como garantidor de direitos, assumindo a tarefa de traduzir a legislação em ações concretas, a partir das especificidades dos conflitos e das necessidades dos sujeitos sociais. Atento à importância estratégica desse campo de atuação, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), com o apoio de especialistas como Eunice Terezinha Fávero, promoveu em 2003 a publicação da obra Estudo Social em Perícias, Laudos e Pareceres Técnicos: Contribuição ao Debate do Judiciário, no Penitenciário e na Previdência Social, com o intuito de ampliar os referenciais técnicos e éticos do exercício profissional nessa seara.
No desenvolvimento da prática sociojurídica, destacam-se os instrumentais técnicos exclusivos do assistente social, como o estudo social, a perícia social, o laudo social e o parecer social. Esses instrumentos, mais do que procedimentos operacionais, constituem expressões do saber profissional voltadas à análise crítica das condições de vida dos sujeitos e à construção de elementos que subsidiem a justa aplicação da lei. Como ressalta Pizzol (apud FÁVERO, 2003, p. 41), “o que é solicitado ao assistente social não é o conhecimento jurídico, ou a interpretação da lei, mas o conhecimento específico do Serviço Social, de forma que sua apresentação, por meio do estudo social, contribua para a justa aplicação da lei”.
Nesse mesmo sentido, Chuairi (2001) observa que o Serviço Social, no contexto jurídico, constitui-se como uma área de trabalho especializado que opera sobre as manifestações da questão social em sua interface com o Direito e a justiça. A atuação profissional, portanto, não se limita à elaboração de documentos técnicos, mas se estende à defesa, preservação e efetivação de direitos, tendo como foco central a cidadania. Trata-se de uma prática historicamente conectada ao campo jurídico, que exige do assistente social um posicionamento ético, crítico e qualificado.
Dessa forma, o presente trabalho se propôs a discutir o papel exercido pelos profissionais de Serviço Social no âmbito do Judiciário, suas atribuições legais e técnicas, bem como os principais instrumentais metodológicos que fundamentam sua intervenção. Considerando a complexidade e abrangência do campo sociojurídico, tornou-se indispensável refletir sobre os conhecimentos teóricos e práticos que sustentam a ação profissional, de modo a garantir uma postura ética, crítica e comprometida com os princípios fundamentais da profissão. Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se a pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa, que permitiu a análise aprofundada da produção acadêmica e institucional sobre o tema, possibilitando tanto a ampliação do conhecimento quanto a formulação de hipóteses para investigações futuras.
2. O PRINCÍPIO DO SERVIÇO SOCIAL NO ÂMBITO JURÍDICO BRASILEIRO
Pizzol (2008, p.32), alega que fazer um resgate histórico do Serviço Social na esfera do Judiciário brasileiro é tarefa que requer esforço e dedicação, por ser extremamente complexo encontrar bibliografia com indicativos teóricos do serviço social em uma área predominantemente jurídica.
Ainda assim a área sociojurídica foi uma das primeiras em que o serviço social se estruturou no Brasil, o assistente social encontrou vasto campo de atuação pois em 1922 o Estado precisava intervir em demandas relacionadas com “menores infratores” dando início a consolidação sua atuação profissional nesta área, logo em 1927 foi promulgado o Código de Menores, Lei n° 17.943- A, de 12/10/1927, que previa o auxílio dos comissários de vigilância, os quais tinham, dentre suas atribuições, a responsabilidade de “proceder a todas as investigações relativas aos menores, seus pais, tutores ou encarregados de sua guarda, e cumprir as instruções que lhes forem dadas pelo juiz” (art. 152), tornando legitima a presença do Serviço Social nas questões ligadas a infância, que foi precedida a institucionalização da profissão.
Na divisão clássica dos poderes o Poder Judiciário pode ser definido como uma instituição que tem como competência, a aplicação das leis e a distribuição da justiça, o que sugere o ato de julgar – para o qual deve o Poder Judiciário ser autônomo e independente frente aos Poderes Executivo e Legislativo (FÁVERO, 1999, p. 19). Devido as diversas configurações de questões sociais, manifestas em face da não obtenção de acesso a direitos e garantias serviram de espaço institucional para inserção do assistente social no campo sociojurídico.
A relevância da atuação profissional do assistente social no âmbito da justiça brasileira remonta aos anos de 1930, onde estes profissionais atuavam como comissários de vigilância, mas com a constituição de 1937, em seu artigo 127 previa que o Estado deveria prover as condições para a preservação física e moral da infância e juventude, podendo pais em situação de miserabilidade pedir auxílio do governo para a subsistência dos filhos. No mesmo período, em 1936, surgiu a primeira Escola de Serviço Social de São Paulo, ocorreram as primeiras aproximações entre os profissionais assistentes sociais e o Juizado de Menores por meio do Comissariado de Menores.
A Lei n° 6026, de 1943, assinalava que o juiz deveria analisar a personalidade do menor, principalmente em seu ambiente familiar e social, mandando decorrer reservadamente à perícias e inquéritos necessários à individualização do tratamento e da educação.
O assistente social sobreveio atuar estreitamente vinculado com os trâmites da aplicação da lei que regulamentava a justiça de menores, ou seja, das normas reguladoras do comportamento de crianças e adolescentes pobres (FÁVERO, 1999, p. 29).
Nesse início, os estudos realizados acerca da realidade sócio familiar das crianças e adolescentes, com finalidade de subsidiar as decisões e ações que tramitam na esfera do Judiciário, remontam ao instrumento do inquérito, pois possibilitava a coleta de dados e de informações com vistas ao restabelecimento da “verdade” dos fatos, ou da construção de “provas”.
No ano de 1948, por meio do Serviço de Colocação Familiar, que propunha à assistência ao menor de 14 anos de idade “proveniente de família pobre, colocando-o de forma provisória e remunerada em um lar substituto, até que a família de origem se reajustasse ao que avaliavam ser condições normais de vida” (FÁVERO, 1999, p.72), o Serviço Social foi introduzido formalmente junto ao Juizado de Menores de São Paulo. Posteriormente, o serviço transformou sua proposta, tornando-se um programa de subsídios às famílias que tinham dificuldades em manter seus filhos.
O autor Pocay e Alapanian (2006), pontuam que:
O trabalho desenvolvido pelos assistentes sociais neste novo e vasto campo foi se abrindo, consolidando atividades e expandindo-se na Justiça de Menores, como era denominada a área do Tribunal de Justiça que tratava dos assuntos referentes à infância e juventude. Tanto assim que em 1957 esse serviço passou por uma reorganização sendo criadas as “Sessões de Informações e de Serviço Social” logo conhecido como “Serviço Social de Gabinete”, com o fim de assessorar o Juiz na tomada de decisões sobre casos específicos (POCAY, ALAPANIAN, 2006).
Em meados de 1978, juízes de Varas de Família requisitavam estudos sociais e levaram a discussão da formalização e ampliação do trabalho do assistente social, pois se pretendia ter definição sobre o papel do assistente social. Fuziwara (2006) postula que:
Num movimento paralelo ao que ocorria no Juizado de Menores, José Pinheiro Cortez – que era assistente social e advogado e havia saído da coordenação do Serviço de Colocação Familiar -, contando com o apoio de alguns juízes das Varas de Família, construiu uma justificativa para propor a contratação de assistentes sociais para as Varas de Família (COLMAN, 2004 apud FUZIWARA, 2006, p. 21).
A promulgação da Constituição Federal de 1988 representou do ponto de vista formal e jurídico, um marco importante na extensão de direitos sociais no Brasil. Gomes e Resende (2001) ressaltam:
Ao menos constitucional e formalmente estão colocados alguns elementos que apontam para a possibilidade de conciliação entre direito e lei relativa à justiça social frente àqueles que sempre estiveram à margem de uma proteção social pública (GOMES, RESENDE, 2001, p. 127).
A Lei n° 8069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente que conferiu a obrigatoriedade da família, da sociedade e do Estado, em assegurar os direitos da criança e do adolescente. O qual ainda normatizou a atuação do Poder Judiciário na defesa dos direitos da Criança e do Adolescente e a Justiça da Infância e da Juventude continuou com a possibilidade de intervenção junto à família e à criança.
O Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 150 e 151 dispõe que:
Art. 150. Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude.
Art. 151. Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico (ECA, 1997).
O Estatuto da Criança e do Adolescente expandiu as fronteiras do campo profissional, incentivando o reconhecimento institucional do papel do assistente social judiciário, não apenas como responsável pela elaboração do estudo social, mas além disso, com aspectos de intervenção junto à família e à sociedade local, por meio de mediações, conciliações, orientações e encaminhamentos (PIZZOL, 2001).
Embora, no contexto sociojurídico, o Assistente Social esteja subordinado institucionalmente ao Juiz essa condição não significa subalternidade profissional, pois a Lei nº 8.662/93 dispõe acerca da autonomia técnica e ética no exercício de suas atribuições privativas ou não, o que exige condições de trabalho que assegurem o sigilo profissional (FÁVERO, 1999). Portanto, permite que o papel do assistente social apareça como uma garantia de direitos, efetivando a legislação a partir das especificidades dos conflitos.
Conforme afirma Iamamoto (2004), apesar do trabalho do assistente social na esfera sociojurídica ter alcançado pouca visibilidade na literatura e no debate profissional das últimas décadas, a atuação nessa área dispõe de larga tradição e representatividade no universo profissional brasileiro, pois se modifica de acordo com a evolução da sociedade, da situação política e econômica, posto que as necessidades dos indivíduos também vão seguindo essa mudança. Sendo assim o assistente social, busca adaptação as novas realidades encaram um novo papel dentro do poder judiciário.
3. AS ATRIBUIÇÕES DO ASSISTENTE SOCIAL NO CAMPO SOCIOJURÍDICO
No contexto do sistema judiciário brasileiro, o Código de Processo Civil, em seu artigo 139, enumera os profissionais que atuam como auxiliares da Justiça, entre os quais se destacam o escrivão, o oficial de justiça e o perito. Este último é definido como o especialista dotado de conhecimentos técnicos específicos que escapam à formação generalista do magistrado, sendo, portanto, convocado para oferecer um parecer fundamentado em processos que demandem apreciações complexas. Sua função é esclarecer aspectos técnicos que influenciam diretamente na convicção do juiz, contribuindo com informações especializadas oriundas de áreas diversas do saber humano (WITTHAUS, 2003 apud ROBLES, 2004, p. 55).
Entre os profissionais reconhecidos como peritos judiciais, destaca-se o assistente social, cuja atuação é enfatizada por Pizzol (2005) como sendo de grande relevância e longa tradição na estrutura do Poder Judiciário. Devidamente regulamentado e respaldado pela legislação profissional, o assistente social realiza, entre outras atribuições, a perícia social judiciária, um trabalho técnico que envolve escuta qualificada, análise contextual e elaboração de documentos que subsidiam decisões judiciais (PIZZOL, 2005, p. 23). Essa atuação não apenas agrega conhecimento especializado às demandas jurídicas, como também permite que a Justiça seja mais sensível às especificidades sociais dos sujeitos envolvidos nos processos.
A perícia, nesse contexto, é compreendida como um procedimento técnico e especializado que visa esclarecer fatos, interpretar contextos e construir um documento formal que auxilie o juiz na formação de sua convicção. No campo judiciário, ela é requerida sempre que uma situação demanda avaliação científica oriunda de uma área específica do saber, funcionando como ponte entre o campo técnico e a prática decisória da magistratura. Segundo Fávero (2003, p. 43), trata-se de uma avaliação “solicitada ou determinada sempre que a situação exigir um parecer técnico ou científico de uma determinada área do conhecimento, que colabore para o juiz desenvolver a sua convicção para a tomada de decisão”.
No exercício de sua função pericial, o assistente social deve manter uma postura ética, crítica e propositiva, não se limitando à simples execução de tarefas operacionais. Sua atuação exige um olhar analítico que vá além da descrição de fatos, promovendo uma leitura social das realidades vividas pelos sujeitos. Como destaca Robles (2004, p. 21), a intervenção do assistente social, ainda que inserida em um dos poderes do Estado, “requer uma inserção crítica e comprometida, que supere a prática instrumental e permita o desenvolvimento de uma prática reflexiva e transformadora”.
O respaldo legal para essa atuação encontra-se na Lei nº 8.662, de 1993, que regulamenta a profissão de assistente social no Brasil. O referido dispositivo normativo estabelece que é competência do assistente social a realização de estudos socioeconômicos voltados à concessão de benefícios e serviços sociais em instituições públicas e privadas. Entre suas atribuições privativas, destaca-se a prerrogativa de “realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social” (CFESS, 1993), o que reforça o caráter técnico-científico da profissão e sua legitimidade na produção de conhecimentos aplicáveis à esfera judicial. Assim, a perícia social configura-se como um instrumento indispensável à efetivação de direitos, atuando como elo entre a realidade social dos sujeitos e a linguagem normativa do Direito.
Ainda sobre as competências do Assistente Social no campo sociojurídico, CHUAIRI, 2001, aponta:
Assessorar e prestar consultoria aos órgãos públicos judiciais, a serviços de assistência jurídica e demais profissionais deste campo, em questões específicas de sua profissão; Realizar perícias e estudos sociais, bem como informações e pareceres da área de sua competência, em consonância com os princípios éticos de sua profissão; Planejar e executar programas destinados à prevenção e integração social de pessoas e/ou grupos envolvidos em questões judiciais; Planejar executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para análise social, dando subsídios para ações e programas no âmbito jurídico; Participar de programas de prevenção e informação de direitos à população usuária dos serviços jurídicos; Treinamento supervisão e formação de profissionais e estagiários nesta área (CHUAIRI, 2001, p. 138).
Nesta perspectiva, Kosmann, (2006, p.69), complementa as ideias do autor e assinala que as principais atribuições do Assistente Social, consistem em:
Desenvolver trabalho técnico de perícia social em processos mediante determinação judicial; atender a demanda social nas questões sociojurídicas, através de trabalhos de orientação, mediação, prevenção e encaminhamentos; Contribuir para o entrosamento do judiciário com Instituições que desenvolvam programas na área social; Cumprir, acompanhar e fiscalizar medidas sócio educativas, quando na comarca inexistirem programas específicos, previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente; Gerenciar e operacionalizar os programas de colocação familiar de crianças e adolescentes (habilitação de pretendentes, adoção, guarda e tutela); Orientar e acompanhar família a quem tenha sido e entre judicialmente criança e/ou adolescente; Gerenciar e executar programas de prestação de serviços à comunidade e participar do Conselho da Comunidade (previsto na Lei de Execuções Penais), onde houver assistente social específico para a área criminal; Gerenciar o Setor de Serviço Social, elaborando e executando programas com a utilização do instrumental adequado ao contexto sociojurídico; Gerenciar o Setor de Serviço Social, elaborando e executando programas com a utilização do instrumental adequado ao contexto sociojurídico; Atender determinações judiciais relativas à prática do Serviço Social sempre em conformidade com a Lei 8.662, de 07/06/93, que regulamenta a profissão, e a Resolução nº 273/93, de 13/03/93, do Conselho Federal de Serviço Social – CFESS. (PIZZOL, SILVA, 2001, p.22, apud KOSMANN, 2006, p.69).
4. OS PRINCIPAIS INSTRUMENTAIS EMPREGADOS NA ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NO CAMPO SOCIOJURÍDICO
O assistente social, no decorrer de sua prática profissional elabora o estudo social, documento onde manifesta seu trabalho técnico e científico.
O estudo social é um processo metodológico específico do Serviço Social, que tem por finalidade conhecer com profundidade, e de forma crítica, uma determinada situação ou expressão da questão social, objeto de intervenção profissional – especialmente nos seus aspectos socioeconômicos e culturais (FÁVERO, 2003, p. 42).
O estudo social é um instrumento vastamente utilizado, cuja principal finalidade é a orientação do processo de trabalho do próprio profissional, sendo empregado para conhecer e analisar situações, sobre o qual o assistente social foi chamado a opinar. O qual consiste numa utilização articulada de vários outros instrumentos como entrevistas individuais ou conjuntas, observação, visita domiciliar, entre outros que permitem ao assistente social a abordagem dos sujeitos envolvidos (MIOTO, 2001).
O estudo social, a perícia social, o laudo social e o parecer social são componentes de uma metodologia de trabalho de domínio específico e exclusivo do assistente social. O assistente social é o profissional que adquiriu confiabilidade para dar credibilidade às dinâmicas dos processos sociais que constituem o viver dos sujeitos, sendo assim:
[...]o que é solicitado ao assistente social não é o conhecimento jurídico, ou a interpretação da lei, mas o conhecimento específico do Serviço Social, de forma que sua apresentação, por meio do estudo social, contribua para a justa aplicação da lei (PIZZOL, apud FÁVERO, 2003, p. 41).
Na construção de tais estudos o profissional não pode perder de vista a dimensão social do usuário, apreciando-o como indivíduo social incluso em uma realidade social que condicionou a sua história. As particularidades sociais, econômicas e culturais devem ser aclaradas, buscando construir interpretações e situar relações com as questões estruturais, nacionais e mundiais que interferem e determinam o cotidiano dos sujeitos. Portanto, envolvem uma dimensão de totalidade que deve ser demonstrada nos registros que o sujeitam ao conhecimento do outro (FÁVERO, 2006, p. 37).
No âmbito judiciário, dentre os principais instrumentais técnico-operativos utilizados pelo assistente social estão a entrevista, a visita domiciliar, a análise de documentos e a observação. Com relação a entrevista Fávero (2005), evidencia:
Em Serviço Social, é por meio da entrevista que se estabelecerá um vínculo entre duas ou mais pessoas. Os objetivos a serem buscados por quem a aplica e os fundamentos da profissão é que definem e diferenciam seu uso. A coleta de informações, por meio de técnicas de entrevista, além de conhecimento e compreensão das situações, possibilita a construção de alternativas de intervenções, devendo, para tal, partir do manifesto pelos sujeitos e/ ou situação que provocou a ação, em direção à construção sócio histórico-cultural, daquilo que se busca apreender. O diálogo é o elemento fundamental da entrevista, exigindo dos profissionais a qualificação necessária para desenvolvê-lo com base em princípios éticos, teóricos e metodológicos, na direção da garantia de direitos (FÁVERO, 2005, p. 121).
O Serviço Social traz no relacionamento interpessoal, um amplo instrumento de intervenção (SILVA, 2001, p. 24). Devido a isso, o assistente social deve compreender a entrevista “em termos de intervenção profissional com um indivíduo de direitos que manifesta de forma individual um problema social ou uma consequência do mesmo” (DELL’AGLIO, 2004, p. 70). Salientando ainda que toda entrevista tem uma finalidade, uma intenção e uma direção, “do mesmo modo que se não se apresentarem em comum os interesses e objetivos não será fácil trabalhar em uma relação que implique diálogo, confiança e busca de soluções” (DELL’AGLIO, 2004, p. 73).
A visita domiciliar objetiva esclarecer condições socioeconômicas e familiares em que vivem os sujeitos, permitindo a leitura da realidade habitual em seus aspectos sociais e culturais, atentando para a família como sujeito político dentro de um contexto que a influência econômica, social, política e culturalmente. Mediante o contato com as pessoas em seu ambiente familiar, o assistente social aproximar-se-á do cotidiano da família, tendo acesso à intimidade e interação familiar, observando a vizinhança, a rede social, a repartição dos espaços, e “até mesmo as possibilidades que o bairro proporciona para acolher as demandas da família como sujeito social” (DELL’AGLIO, 2004, p. 77). Ainda na visita domiciliar há a possibilidade de utilização de outros instrumentais em conjunto, como a própria entrevista e a observação, na tentativa do desvelamento do não-dito e do real que se apresenta (KOSMANN, 2006, p. 89).
Sarmento (1994, p. 44) aponta que a visita domiciliar deve ser compreendida como um instrumento que potencializa as possibilidades de conhecimento da realidade, na medida em que permite conhecer com o sujeito as suas dificuldades, e, que tem como parâmetro, a garantia de direitos onde se cumpre um papel educativo, colocando o conhecimento técnico à disposição da reflexão sobre o bem-estar.
Quanto à observação, Sarmento (1994, p. 23) alega que a qual deve ter como foco a realidade, no entanto, tendo como parâmetro a constatação técnica e neutra, para ser o mais integra e exata possível. No entanto, o mesmo autor destaca que o assistente social deve ser o mais objetivo possível, não se deixando levar pelos arranjos do momento. Corroborando com o autor é imprescindível que:
Depois de observar e registrar de alguma maneira o observado, estes dados devem ser objeto de reflexão à luz de marcos teóricos, e se for possível com outros profissionais intervenientes, porque tudo isso contribuirá para uma melhor compreensão da situação familiar, do problema pelo qual atravessa essa família e das possíveis alternativas de solução (DELL’AGLIO, 2004, p.80).
A visita institucional é um instrumento técnico-operativo amplamente utilizado pelos assistentes sociais do Poder Judiciário, formando uma das etapas da realização de um estudo social no meio institucional. Sendo que:
A visita institucional consiste em procedimento técnico-operativo a partir do qual o Assistente Social, por iniciativa própria ou por solicitação da autoridade desloca-se até uma instituição para, através da observação, coleta de dados, entrevistas, análises de documentos, conhecer a realidade de atendimento e prestação de serviços a um dado segmento da população-alvo de uma política pública: idoso, criança, adolescente, pessoas em conflito com a lei, portadores de deficiência, desprovidos de renda, entre outros (GOMES, PEREIRA, 2005, p.03).
O relatório social é um documento específico elaborado por assistente social, podendo ser utilizado em diversos espaços ocupacionais, e propõe descrever e interpretar uma determinada situação. Quando empregue no Judiciário tem por objetivo “informar, esclarecer, subsidiar, documentar um auto processual (...) ou enquanto parte de registros a serem utilizados para a elaboração de um laudo ou parecer” (FÁVERO, 2003, p. 45).
Conforme destacado por Fávero (2003, p. 45), o laudo social é aplicado como item de prova no processo, com a intenção de dar amparo à decisão judicial, a partir de uma determinada área do conhecimento, no caso, o Serviço Social, e contribui para a formação de um juízo por parte do magistrado, para que detenha elementos que possibilitem o exercício da faculdade de julgar e proporciona subsídios de base social para decisões que abarquem direitos fundamentais e sociais.
Quanto ao parecer social, o mesmo autor propõe que:
Trata-se de exposição de manifestação sucinta, enfocando-se objetivamente a questão ou situação social analisada, e os objetivos do trabalho solicitado e apresentado; a análise da situação, referenciada em fundamentos teóricos, éticos e técnicos, inerentes ao Serviço Social – portanto, com base em um estudo rigoroso e fundamentado – uma finalização, de caráter conclusivo ou indicativo (FÁVERO, 2003, p. 47).
Por meio do domínio de técnicas e instrumentos o assistente social constrói um saber a respeito da população usuária dos serviços judiciários (FÁVERO,2003. p.28). Um saber que pode se constituir numa verdade, por isso se faz fundamental que o profissional trabalhe norteado pelo projeto ético-político e teórico-metodológico da profissão.
5. CONCLUSÃO
Diante do exposto, podemos concluir que no campo sociojurídico a atuação do assistente social lida com questões que envolvem a vida dos sujeitos, interpretando e analisando situações e possibilitando as mais diversas expressões das questões sociais, além de contribuir para a garantia de direitos e promoção da cidadania.
Constatamos que o assistente social, enquanto profissional consciente de seu dever e de suas atribuições, deve buscar pleno conhecimento de seu papel e suas responsabilidades, visto que perpassa os valores éticos e morais da profissão e também do sujeito.
São muitos desafios postos aos assistentes sociais no campo judiciário, no que diz respeito a sua atuação, não foi pretensão descrever cada um deles, mas promover a reflexão acerca da complexidade que se impõe à prática profissional, dispondo-se a avançar na construção de respostas, com democracia, sem preconceitos, por meio de metodologias e instrumentais técnicos operativos, respeitando a diversidade e a complexidade dos sujeitos e das questões sociais, com qualidade, responsabilidade e compromisso como dispõe o Código de Ética do Assistente Social.
6. REFERÊNCIAS
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CHUAIRI, Silvia Helena. “Assistência jurídica e Serviço Social reflexões interdisciplinares”. Revista Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, 2001.
DELL’AGLIO, Marta. “La práctica del perito trabajador social: uma proposta
metodológica de intervención social”. 1. ed. Buenos Aires: Espacio, 2004.
ECA. Estatuto da Criança e do Adolescente. Ministério da Justiça. Brasília: DF, 1997.
FÁVERO, Eunice Terezinha. “Serviço Social, práticas judiciárias, poder: implantação e implementação do Serviço Social no Juizado de Menores de São Paulo”. São Paulo: Veras, 1999.
FÁVERO, Eunice Terezinha. “Estudo social: fundamentos e particularidades de sua construção na área judiciária”. In: O estudo social em perícias, laudos e pareceres técnicos: contribuição ao debate no Judiciário, no penitenciário e na Previdência Social. São Paulo: CFESS (org.) e Cortez, 2003.
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Como citar esse artigo:
ROCHA, Maria Leonice Leonço Ramos; ROCHA, Haryéle Ramos; ROCHA, Silvia Cristiane Galvão Ferreira. A relevância da atuação do assistente social no âmbito judiciário. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.3, n.1, 2025; p. 108-123. ISSN 2965976-0 | D.O.I.: doi.org/10.59283/unisv.v3n2.007
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